Durante as Olimpíadas de Japão de 1964, um grupo de pessoas vestidas de avental branco e máscara limpou as calçadas da região central de Tóquio com panos, vassouras e escovas. Os pedestres poderiam achar que se tratava de um serviço da prefeitura ou de uma manifestação política contra a renovação do pacto de segurança entre o país e os Estados Unidos.
“O fundamental era que o público não soubesse que aquilo era uma performance. O público se relacionava com o que estava acontecendo sem saber que aquilo ali era uma obra de arte”, conta Pedro Erber, autor de um livro recém-lançado sobre o surgimento e o desenvolvimento da arte contemporânea no Japão, intitulado “Descida ao Cotidiano”.
A ação do grupo Hi-Red Center em Tóquio exemplifica não só o nome do livro, da prática artística que sai do cubo branco das galerias ou dos espaços estéreis de museus e vai para o dia a dia, mas também o conceito primordial que guiou a arte japonesa depois da Segunda Guerra –um esforço consciente dos criadores de aproximar as pessoas das obras de arte, tirando esta de seu lugar de objeto de contemplação e o público da posição de espectador.
Nas cerca de 250 páginas do livro, o professor de literatura e filosofia na Universidade Waseda, em Tóquio, mostra como a pintura, a poesia e as ações no espaço público –que mais tarde viriam a ser conhecidas como performances ou “happenings”– inseriram a produção japonesa das décadas de 1950 e 1960 num panorama internacional de renovação artística.
Por exemplo, enquanto na virada para os anos 1960 a artista Tanaka Atsuko usava um vestido feito com 200 lâmpadas, no Rio de Janeiro de poucos anos depois um garoto chamado Mosquito da Mangueira também vestia uma obra de arte, ao dançar com o corpo coberto por um parangolé de Hélio Oiticica.
“Aqueles que buscam na arte japonesa algo da ordem do exótico e inteiramente outro se surpreenderão com as semelhanças e múltiplos pontos de contato com o contexto da arte contemporânea no Brasil, Europa e Estados Unidos”, afirma o autor, acrescentando que um dos objetivos de sua pesquisa é “desorientalizar” a arte nipônica.
As conexões entre Brasil e Japão vão além. No primeiro capítulo, o autor conta sobre a estadia de dez meses de Mário Pedrosa como pesquisador visitante do Museu Nacional de Arte Moderna de Tóquio, e resgata o desdém do importante crítico de arte pela pintura informal dos membros do grupo Gutai. Mais à frente, o livro coloca lado a lado a poesia visual de Kitasono Katue com as obras dos irmãos concretistas Augusto e Haroldo de Campos.
O leitor não deve esperar, contudo, ler sobre japoneses que desenvolveram suas carreiras no Brasil, como a pintora e escultora Tomie Ohtake e o pintor Manabu Mabe, nem sobre três dos nomes mais conhecidos do Japão internacionalmente –o fotógrafo Daido Moriyama e as as artistas multimídia Yayoi Kusama e Yoko Ono–, por uma opção do autor em se concentrar nos pintores locais que formariam as vanguardas.
Enquanto no Brasil as formas geométricas e a precisão pregadas pelo concretismo ganhavam as telas, no Japão as pinceladas livres e as grossas camadas de tinta sobre o quadro, características do informalismo, eram a preferência dos artistas.
“A pintura acabou sendo o lugar em que os artistas começaram a questionar a o espaço bidimensional”, afirma o autor, citando o movimento inicial que anos mais tarde desembocaria na ideia de tirar a arte de sua moldura –literal e metafórica– para aproximá-la do espectador.
DESCIDA AO COTIDIANO
Preço: R$ 84 (256 págs.)
Autor: Pedro Erber
Editora: Zazie
Link: https://zazie.com.br/produto/pedro-erber-2/
Cultura
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