Cultura
Quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

Livro explora a relação de intimidade que se cria com obras de arte

É um romance, um livro de contos ou uma reunião de crônicas imaginárias? “O Nervo Óptico”, de María Gainza, nos deixa um pouco na incerteza. Talvez crônicas imaginárias seja a melhor resposta, unidas por um estilo que se quer transparente pela atmosfera, um clima aristocrático com autoficção.
Cada capítulo tem sua autonomia, porque se constrói em torno de um pintor diferente. Gainza é crítica de arte e, nessa obra, associa seus conhecimentos, que expõe como numa aula.
O primeiro capítulo, o “Cervo de Dreux”, define a narradora como uma guia de grupos em coleções de pintura e, quando ela discorre sobre as obras, com detalhes precisos e cultura evidente, emerge o tom dessas apresentações, quando elas são boas e finas.
É um livro de ficção e de análise artística ao mesmo tempo. Nasce de experiências vividas e costumeiras. Nada de linguagem pretensiosa ou acadêmica –observações que, por serem tranquilas, não deixam de ser profundas. Emergem da cultura artística europeia que reuniu desde o século 19, em Buenos Aires, coleções suntuosas, hoje parte dos grandes museus.
Nisso, é bem diferente do que ocorreu no Brasil na mesma época, em que o colecionismo foi muito menos expressivo. María Gainza é fascinada pelo Museu Nacional de Artes Decorativas argentino, esplêndido palácio do milionário Errázuriz, construído no início do século 20 e comprado pelo Estado, juntamente com a estupenda coleção que ele abriga.
Assim, a autora não se refere a obras ilustres espalhadas pelo mundo. Seus textos são provocados pela intimidade que mantém com quadros que estão em Buenos Aires, no concreto das visitas e emoções que eles fazem surgir.
Não vai buscar os nomes de artistas mais célebres –de início, o leitor topa com um pintor muito confidencial, Alfred de Dreux, sedutor e requintado intérprete de caçadas, amazonas e cavalos. Toulouse-Lautrec, que está entre os conhecidos, surge num dos capítulos, mas sempre em modo singular, centrado num quadro do Museu Nacional de Belas Artes argentino.
Ou, ainda, um Rothko, ou um Courbet –sobre quem ela formula uma excelente frase. “Como pintor, Courbet era territorial, instintivo como um cão”. De Rothko, ela se refere a uma reprodução, mas de um quadro que conhece, do Museu Nacional de Belas Artes. “As pessoas não se cansam de dizer: até ver um Rothko ao vivo, você não viu nem a metade. Mas acho surpreendente tudo o que se pode ver numa reprodução. Mesmo ali, Rothko não entra pelos seus olhos, e sim como um fogo na altura do estômago.”
Ela se refere também a dois artistas argentinos –Cándido Lopez, o admirável cronista da guerra do Paraguai, e Augusto Schiavoni, secreto, meditativo autor de retratos e naturezas-mortas.
Seu modo de escrever flutua entre a arte e a experiência, a memória e o sonho. Sinto, nesse livro, algo de essencialmente argentino, essa cultura elegante mais comum por lá do que entre nós e que, sobretudo, se constrói por um viver que se quer europeu, sem nenhuma afetação, porém, com naturalidade inata e personalidade singular.

O Nervo Óptico
Autora: María Gainza. Trad.: Mariana Sanchez.
Ed.: Todavia. R$ 54,90 (144 págs.); R$ 36,90 (ebook)
Avaliação: Muito Bom

Fonte: FolhaPress/Jorge Coli