O Governo de São Paulo e a prefeitura da capital têm acumulado desentendimentos nas últimas semanas em relação às medidas para a cracolândia.
Em janeiro, as gestões de Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Ricardo Nunes (MDB) anunciaram que haveria uma parceria inédita para resolver um dos principais problemas que se arrastam há quase 30 anos no centro da cidade. Nos bastidores, porém, faltam sintonia e colaboração.
Um dos principais pontos de atrito é em relação ao formato das operações da Polícia Civil para prender traficantes.
O prefeito Ricardo Nunes é a favor de incursões frequentes entre os dependentes químicos, como ocorreu entre junho de 2021 e o fim do ano passado. Essas ações eram orquestradas pelo ex-delegado seccional do centro Roberto Monteiro, que perdeu o cargo para o delegado Jair Ortiz no começo do ano.
Com a mudança de comando, as operações têm sido feitas fora dos pontos de concentração de usuários de drogas. Na última quinta-feira (2), duas mulheres foram presas com drogas que abasteceria a cracolândia, segundo as investigações.
A estratégia atual mira grandes traficantes e contrasta com a anterior, que priorizava prender os chamados “lagartos”, pequenos vendedores que sustentam o vício, e também fichar usuários flagrados usando drogas ou portando cachimbos para fumar crack. Ao longo de quase dois anos, cerca de mil pessoas foram detidas nessas operações, segundo a Polícia Civil.
Essa é uma das explicações recorrentes do prefeito para sustentar a tese de que o fluxo da cracolândia vem diminuindo desde a desocupação do entorno da praça Júlio Prestes, há quase um ano.
Outro ponto de estranhamento entre as administrações foi a inclusão de serviços já oferecidos pelo município como parte integrante do projeto anunciado recentemente pelo governo.
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o vice-governador Felicio Ramuth (PSD), destacado por Tarcísio para gerenciar as ações referentes à cracolândia no governo estadual, afirmou não existir uma porta de entrada na rede de saúde pública para internar dependentes químicos.
Procurada, a prefeitura afirmou que os encaminhamentos, nesses casos, são feitos pelas UBS (Unidade Básica de Saúde) e pelas unidades do Caps (Centros de Atenção Psicossocial).
Além disso, desde o ano passado, uma unidade emergencial de atendimento foi aberta na rua Helvétia onde os usuários estavam concentrados. O local também é uma porta de entrada para quem quer ser internado, segundo a prefeitura.
município também afirmou que dispõe de cem leitos de internação psiquiátrica em hospitais municipais e que, se necessário, recorre às vagas disponibilizadas pelo governo estadual em comunidades terapêuticas.
No ano passado, segundo dados oficiais, quatro pessoas foram encaminhadas para as comunidades terapêuticas e ficaram, em média, 66 dias. O período de desintoxicação é de até 90 dias.
Integrantes das equipes ouvidos pela reportagem, porém, avaliam que o clima de distanciamento entre estado e prefeitura é passageiro e deve melhorar na medida em que o trabalho for desenvolvido.
Na tentativa de alinhar as ações, o vice-governador Ramuth criou um grupo de mensagens na semana passada com membros das duas gestões que atuam diretamente na cracolândia. A ideia é organizar reuniões quinzenais para cada um apresentar seus resultados.
Enquanto isso, moradores e comerciantes da região organizaram dois protestos na semana passada para cobrar ações mais efetiva contra a falta de segurança causada pela presença dos usuários de drogas.
“Não vai mais ninguém comprar lá”, diz a comerciante Isabel de Araújo que tem uma loja de materiais descartáveis há 18 anos na rua Guaianases. “Sempre tivemos problemas, mas agora está impossível trabalhar.”
Ela estava entre os cerca de 20 manifestantes no protesto organizado na última quinta-feira em frente à prefeitura.
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