Cultura
Sábado, 18 de maio de 2024

“A Noiva”, na Mostra de Cinema de SP, traz olhar sem julgamentos sobre radicalismo islâmico

A CNN conversou com o diretor do drama, o luso-brasileiro Sérgio Tréfaut, que conta, com base em uma história real, a saga das noivas da Jihad abandonadas entre duas justiças, após a queda do Estado Islâmico

Recentemente, vimos atrizes ganhadoras do Oscar, Marion Cotillard e Juliette Binoche, cortando cabelo seus cabelos em vídeos postados nas redes sociais. A hashtag #HairForFreedom se espalhou pela Internet após a morte de Mahsa Amini, uma jovem de 22 anos, no Irã. Ela foi detida em setembro pela polícia da moralidade de Teerã por, supostamente, não usar seu véu corretamente, deixando o cabelo à mostra.

Desde então, o povo iraniano vêm protestando contra o regime do país, explicitando cada vez mais uma recusa em aderir aos valores islâmicos radicais.
No Ocidente, porém, a história se inverte.

“Vivendo na Europa, eu ficava totalmente surpreendido com europeus ocidentais, sem origem islâmica, aderindo à ideologia”.

Sérgio Tréfaut é um diretor luso-brasileiro que apresenta seu novo longa “A Noiva” na 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. O filme estreou no Festival de Veneza e conta a história de Bárbara, uma adolescente que foge de casa para se casar com um guerrilheiro do Estado Islâmico.

Quando a organização terrorista cai, porém, a jovem se vê grávida, com dois filhos pequenos e em um limbo político: ela apela para a embaixada francesa a acolher, enquanto a justiça iraquiana quer condená-la por sua afiliação com o Daesh.

O tema é delicado, mas, para Sérgio, o território não é desconhecido.

“Fui ao Iraque diversas vezes, comecei a aprender árabe e, entre 2006 e 2010, fiz um documentário sobre os cemitérios islâmicos do Cairo”, disse à CNN.

“Esse assunto sempre me fascinou”, completou.

Com uma bela fotografia, “A Noiva” é um longa cru, que parece muito real aos olhos do espectador. Desde seu ritmo mais lento até as atuações, com figurantes e atrizes do Oriente Médio, o filme se divide entre campos de prisioneiros no Iraque, prisões e tribunais, refazendo a trajetória real de diversas mulheres europeias que se juntaram ao EI.

“Minha pesquisa foi grande”, explicou Sérgio. “Selecionei muitas reportagens e passei diversas referências para a protagonista do filme, principalmente sobre o caso de Ângela Barreto”.

Luso-holandesa, Ângela é uma jovem de 26 anos que foi casada com três líderes do Estado Islâmico.

Segundo as autoridades, ela recrutava jovens, traficava armas e nunca se arrependeu de ter se juntado à organização terrorista.

Imagem do filme “A Noiva” / Divulgação/Mostra de SP

“Eu não inventei tudo da minha cabeça, mas, ao mesmo tempo, não quis assumir uma postura de juiz e nem conduzir o espectador de forma demasiada explicativa”, contou Sérgio.

De fato, o silêncio é muito presente no filme, por vezes cortado por tiros, rezas ou falas agressivas de homens se dirigindo à mulheres. Sérgio disse, inclusive, que falas de autoridades às prisioneiras durante julgamentos foram praticamente extraídas de depoimentos reais das chamadas “noivas da Jihad”.

No filme, Bárbara conta com uma rede de apoio, quase como uma sociedade matriarcal dentro de uma sociedade altamente machista: mulheres dividem tendas, roupas e cuidam dos filhos das outras. Para Sérgio, atrizes e figurantes do Oriente Médio foram essenciais para trazer verdade a esse ambiente acolhedor.

“No roteiro, eu escrevo algo como: ‘mulheres em uma tenda’, mas o comportamento fica pelas atrizes. O jeito de sentarem, comerem, a espontaneidade das crianças… Não há como escrever isso”, disse Sérgio.

Em sua segunda metade, o filme é transportado para a prisão de mulheres e para o tribunal, Barbara enfrentará um julgamento e, talvez, uma execução. Em um monólogo que antecede o final do filme, Barbara fala sobre um pensamento paradoxo que tem: às vezes gostaria de ter vivido mais, às vezes acha que já viveu o bastante.

Sérgio Tréfaut, diretor luso-brasileiro de “A Noiva” / Divulgação/Mostra de SP

Quando perguntado se ele crê que a personagem tenha se arrependido de ter se juntado ao Estado Islâmico, o diretor Sérgio Tréfaut apenas responde que “ela, com certeza, não é a mesma de quando entrou para o Daesh”.

Conhecedor das revoltas do Oriente Médio, Sérgio diz que o que acontece agora, no Irã, se trata de um assunto sensível e doloroso para muitas mulheres e homens.

“É preciso muita coragem e muita força para arriscar a vida por uma luta justa”, diz, “é algo que eu rezo que seja revolucionário, no sentido de mudar, de chegar a algum lugar, de fato”.

Serviço:

“A Noiva” – 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Domingo (23) – 16h15 no Reserva Cultural Sala 1

Terça-feira (25) –  18h15 no Espaço Itaú de Cinema – Augusta Anexo 4

Quinta-feira (27) – 18h10 no IMS (Instituto Moreira Salles) Paulista

Fonte: CNN