Centenas de pessoas foram filmadas fazendo a saudação romana, uma das marcas do período fascista italiano (1922-1943), na noite de domingo (7) em Roma, após a realização de um ato em memória de três militantes de extrema direita assassinados no fim dos anos 1970. A apologia do fascismo na Itália é crime e pode ser punida com prisão.
No vídeo que circula nas redes sociais, o grupo, alinhado em formação do tipo militar, estende o braço e grita “presente” três vezes após o comando de alguém que diz “a tutti i camerati caduti”, ou “a todos os camaradas mortos”.
A cena foi registrada na rua Acca Larentia, onde funcionou uma sede do antigo Movimento Social Italiano (MSI), partido criado em 1946 por integrantes dos últimos anos do regime fascista de Benito Mussolini.
Foi na frente do local que, em 7 de janeiro de 1978, dois membros da organização foram mortos em um atentado reivindicado por um grupo de extrema esquerda. Um terceiro homem ligado ao MSI morreu mais tarde, após confronto com forças de segurança. Eram os anos de chumbo na Itália, quando a disputa política foi marcada por atos de terrorismo dos dois espectros políticos.
Anualmente a data é lembrada tanto de forma institucional quanto por neofascistas. Na manhã do domingo, autoridades regionais e municipais, da direita à esquerda, participaram da deposição de coroa de flores em homenagem oficial às vítimas. Mais tarde, veio a saudação romana fora do protocolo.
Atos semelhantes de apologia do fascismo ligados a essa e a outras efemérides também foram registradas nos anos anteriores, antes da chegada ao poder do partido de ultradireita Irmãos da Itália. A sigla foi fundada pela atual primeira-ministra, Giorgia Meloni, que militou na seção juvenil do MSI na adolescência. Seu partido tem como logotipo a mesma chama tricolor utilizada pelo MSI.
“Parece uma cena de cem anos atrás, em plena época fascista”, escreveu o repórter Paolo Berizzi no jornal La Repubblica. Ele é especialista em grupos neofascistas e desde 2019 vive sob proteção de escolta armada, depois de ter sido ameaçado de morte. “As imagens são uma vergonha de Estado”, disse o jornalista.
Líderes da oposição também condenaram as cenas. “Roma, 7 de janeiro de 2024. Mas parece 1924. As organizações neofascistas devem ser dissolvidas, como diz a Constituição”, escreveu nas redes sociais a deputada Elly Schlein, do Partido Democrático.
A sigla, tanto na Câmara quanto no Senado, apresentou um pedido de explicações ao governo, endereçado à primeira-ministra e aos ministros Matteo Piantedosi (Interior) e Carlo Nordio (Justiça). “Qual a avaliação do governo sobre os acontecimentos ocorridos em Roma e quais iniciativas pretende adotar para esclarecer e pôr fim a atividades ou comportamentos que violam abertamente as disposições constitucionais e as leis do nosso sistema”, diz o texto.
Já o Movimento Cinco Estrelas, liderado pelo ex-premiê Giuseppe Conte, afirmou que apresentará queixa ao Ministério Público, para que seja apurada a existência do crime de apologia do fascismo.
O ex-primeiro-ministro Matteo Renzi (Itália Viva) também cobrou explicações de Meloni. Desde antes de assumir o governo, em setembro de 2022, Meloni resiste em condenar de forma explícita a participação de aliados e filiados do partido em atos que remetem ao período fascista, como a comemoração da Marcha sobre Roma. Até a publicação desta reportagem, ela não havia se manifestado publicamente sobre as saudações romanas.
Filiado ao partido de Meloni, o vice-presidente da Câmara, Fabio Rampelli, que esteve presente na cerimônia oficial do domingo, negou elos do partido com as cenas neofascistas. “São pessoas de várias origens, dissidentes, organizações extraparlamentares. Não têm nada a ver com o Irmãos da Itália”, afirmou à imprensa.
Em nota, a sigla rebateu as críticas da oposição e disse que, nos governos liderados pelo Partido Democrático, nada foi feito para impedir os atos do tipo ocorridos nos anos anteriores. “Desde 1978, inclusive com o rito do ‘presente’, os jovens mortos por um comando terrorista de extrema esquerda são homenageados. Um caso que ficou sem justiça. Usar a memória da morte trágica de três jovens assassinados pelo ódio comunista para fazer propaganda é sórdido e covarde”, diz o texto.
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