Cultura
Domingo, 19 de maio de 2024

Paris Hilton na cozinha é como ver um lutador tocando violino

Por que inventaram de fazer um programa de culinária com Paris Hilton? Pelo jeito, porque ela é a cozinheira menos talentosa do sul da Califórnia, quiçá do Sistema Solar. É como pôr um lutador de MMA para tocar violino. Tentam ganhar o espectador pelo contraste, pela dissonância cognitiva.
Poderia funcionar se fosse uma brincadeira no TikTok. Toda a graça se esgota no absurdo do título “Cozinhando com Paris Hilton”. Desafortunadamente, dura excruciantes 25 minutos cada um dos seis episódios da primeira temporada da série da Netflix.
A série fracassa como tutorial de receitas na realidade, nem sequer existe uma tentativa de executar os passos a sério, afunda como registro da vida dos bilionários e naufraga na comédia que deveria resultar do choque do cúmulo da peruagem com a pia cheia de louça.
“Cozinhando” se passa na casa de Paris em Los Angeles. O início do episódio é gravado em algum mercado, aonde a protagonista compra ingredientes e ostenta ignorância. Depois, recebe convidadas e ajudantes tão cintilantes quanto ela como a também celebridade “per se” Kim Kardashian e a cantora Demi Lovato.
Cada episódio termina com uma refeição temática “café da manhã, jantar mexicano, lanche vegano, noite italiana, peru festivo e reunião familiar regada a caviar e ouro em lascas”.
O arsenal culinário da produção inclui glitter comestível, confeitos multicoloridos, cereais matinais açucarados e moldes para biscoitos que reproduzem logomarcas de grifes da alta-costura. Quando desce ao mundo dos mortais, Hilton não sabe o que é cebolinha e é incapaz de operar um liquidificador.
A maioria dos experimentos na cozinha resulta em desastre parcial ou total. No episódio italiano, o que deveria ser um ravióli cor-de-rosa em formato de coração não progride além da mistura de farinha com ovos e beterraba em pó, a produção agilmente saca da geladeira uma massa de cor amarela pálida.
No mesmo jantar, a tentativa de executar cannoli lilás com poeira de unicórnio perpetra uma gororoba francamente nojenta. A pós-produção só interfere nos descalabros de Hilton e amigas para congelar a ação e salpicar “dicas culinárias” como “ketchup nunca é demais” ou “mais açúcar conserta qualquer receita”. Haja sarcasmo.
Hilton não nos surpreende com vocação culinária inaudita, que lástima. Destrói tudo em que mete a mão. É nisso que a Netflix joga todas as fichas para extrair alguma graça e prender a audiência. Não funciona porque Paris Hilton é antipática até a medula. Ela não é desastrada, é desleixada mesmo.
A expressão lânguida e a voz à meia-bomba transparecem profundo desinteresse, o mais absoluto desdém. A afetação da moça é tamanha a ponto de fazer Kim Kardashian, rainha das dondocas de reality show, parecer uma pessoa humilde e acessível.
Hilton emporcalha a cozinha porque sabe que alguém vai limpar. Faz qualquer coisa de qualquer jeito porque, no frigir dos ovos, está pouco se lixando. Sua falta de intimidade com a lida doméstica irrita, não faz rir.
Sabemos que não há empatia com os nefelibatas de Beverly Hills. Esse estranhamento é a chave do sucesso de programas que devassam a vida das celebridades super-ricas. Ocorre que já vimos esse filme demasiadas vezes.
Desde que Sharon Osbourne resolveu abrir o cotidiano do aparvalhado Ozzy para a MTV, lá se vão duas décadas das aborrecidas vidas dos famosos na TV isso inclui as próprias Hilton e Kardashian, ambas veteranas de reality shows.
“Cozinhando com Paris Hilton” tenta requentar uma fórmula esgotada com paródia flácida, ironia sonsa e quase nenhuma substância. Não ensina receitas, não traz nada de novo, não surpreende, não é engraçado, não entretém, não faz sentido.
Por que, então, assistir a um programa de culinária com Paris Hilton? Boa pergunta. Eu assisti a trabalho. Você, que precisa pagar para ver, pode se poupar dessa furada.

Cozinhando com Paris Hilton
EUA, 2021.
Com Paris Hilton, Kim Kardashian West, Demi Lovato.
Disponível na Netflix.
Avaliação: Ruim

Fonte: FolhaPress/Marcos Nogueira