Cultura
Quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Spike Lee, um olhar e uma voz próprios há mais de 30 anos

O diretor americano Spike Lee, que presidirá o júri de Cannes este ano, trará ao festival seu olhar único, exigente e divertido que se destacou no cenário cinematográfico por mais de três décadas e abriu caminho para muitos outros artistas afro-americanos.

Cannes “sempre terá um lugar importante no meu coração”, disse em março o cineasta de 64 anos, confirmando mais uma vez seu apreço pelo prestigioso festival que o reconheceu desde o início de sua carreira ao selecionar seu primeiro longa-metragem “Ela Quer Tudo” (1986), para ser exibido na Quinzena de Diretores.

Era um filme modesto em preto e branco, rodado em duas semanas no auge do verão de 1985, graças às economias de sua avó.

Mas o impacto que causou é sentido até hoje.

Com esse longa de estreia, premiado em Cannes com o Prêmio da Juventude, “quebrou o teto de vidro” dos cineastas negros “e abriu as portas a todos que o seguiram”, afirma Michael Genet, ator e roteirista, autor do roteiro de “Elas me odeiam, mas me querem”(2004).

O diretor “Ryan Coogler não seria o que é hoje com ‘Pantera Negra’, se Spike Lee não tivesse feito o que fez”, acrescenta Genet sobre este diretor que, em 2019, ganhou o Oscar de melhor roteiro adaptado por “Infiltrado na Klan”.Playvolume00:04/00:59TruvidfullScreenLeia mais

Até então, havia recebido apenas um Oscar honorário, fora de competição, em 2016.

Shelton Jackson Lee – seu nome verdadeiro – nasceu na Geórgia em 1957, mas cresceu no Brooklyn, no bairro de Fort Greene, onde ainda estão os escritórios de sua produtora, 40 Acres and a Mule.

Pequeno e com um olhar determinado por trás de seus óculos redondos característicos, também interpretou o papel do atrevido mensageiro Mars Blackmon em “Ela Quer Tudo”.

“Era reservado, mas o chamei de homem das ideias”, disse Herbert Eichelberger, que foi seu professor de cinema na Clark University em Atlanta e a quem Spike Lee se refere como seu mentor.

“Desde o início já era um grande contador de histórias”, disse o professor, que considerou que estava predestinado a fazer documentários.

O primeiro veio apenas em 1997, “Quatro Meninas – Uma História Real”, indicado ao Oscar e seguido por muitos outros.

No percurso, foi delineando seu cinema, muitas vezes claramente político, com filmes como “Faça a Coisa Certa”, “Febre da Selva”, ou “Malcolm X”, produzidos à margem de Hollywood para ter a última palavra na distribuição e edição.

“Ter voz”

“Um dia perguntei por que ele se incomodava em escrever”, lembra Michael Genet. “E ele me respondeu: sou acima de tudo um autor”.

Mas, embora nunca tenha sido sucesso de bilheteria, esse torcedor do time de basquete New York Knicks é considerado nos Estados Unidos, apesar de tudo, um diretor para o grande público.

“Quando voltamos de Cannes (em 1986), o filme (‘Ela Quer Tudo’) havia sido lançado em Nova York, e eu não conseguia mais andar nas ruas”, lembra o ator John Canada Terrell, um de seus protagonistas.

Sua carreira deu outro salto quando, em 1987, a Nike lhe confiou a produção de uma série de comerciais para os tênis Air Jordan.

As curtas peças em preto e branco, apresentando Michael Jordan e o próprio Spike Lee no papel de Mars Blackmon, transformaram para sempre o marketing esportivo.

Mais tarde, Lee filmou spots para diferentes marcas, bem como videoclipes. E também filmes mais clássicos, como “O Plano Perfeito” (2006), um thriller que continua a ser seu maior sucesso de bilheteira.

Mesmo assim, os anos passam, e ele se mantém fiel à sua independência, sempre se concentrando nas histórias contadas por negros e negras.

Como em “Infiltrado na Klan”, que antes do Oscar lhe rendeu o Grande Prêmio de Cannes e que conta a experiência real de um negro infiltrado nas fileiras da Ku Klux Klan.

Ou em “Destacamento Blood”, lançado na Netflix em 2020, em que enfatiza o papel dos negros nos conflitos que os Estados Unidos travaram, uma contribuição que muitas vezes é esquecida, ou minimizada.

“Entre 1985 e hoje, é o dia e a noite”, disse Spike Lee em 2018 sobre a presença negra no cinema durante o programa “Desus & Mero”, do canal Viceland.

“Mas não podemos ficar satisfeitos. Não se trata apenas de fazer um filme. Precisamos estar nessas posições-chave para ter voz no que acontece”, disse ele.

Fonte: IstoéDinheiro