Desde o final do mês passado, as ações de aéreas, notoriamente Gol (GOLL4) e Azul (AZUL4), bastante afetadas durante o período da pandemia, ganharam mais um catalisador: o noticiário de fusões e aquisições.
Na semana passada e no começo desta, mais desdobramentos sobre as aéreas ganharam destaque.
Apesar da Azul ter começado as especulações sobre uma consolidação no setor ao demonstrar interesse na aquisição das operações da Latam Brasil após o anúncio do fim de compartilhamento de voos entre as companhias, em 27 de maio, foi a Gol que saiu na frente ao anunciar uma aquisição na terça-feira da semana passada.
A Gol Linhas Aéreas comunicou a compra da MAP, companhia aérea controlada da Voepass com sede em Manaus.
Os termos da compra definiram pagamentos na ordem de R$ 28 milhões, nos quais R$ 25 milhões pagos em dinheiro para a Voepass e o restante via ações preferenciais da Gol (GOLL4), no volume de 100 mil ações a R$ 28 reais cada.
A MAP opera com uma frota total de sete aeronaves ATR, com foco nas regiões Sul, Sudeste e em Manaus.
Com a aquisição, a Gol, levou todos os 26 slots (horários de partida e chegada) da Voepass em Congonhas. Atualmente, a Gol atua com 234 slots no aeroporto. A Latam tem 236 slots e a Azul tem 41.
Essa é a terceira aquisição realizada pela Gol, tendo comprado em 2007 os ativos da antiga Varig e, em 2011, adquirido sua concorrente Webjet. Após a compra, a Gol reiterou que segue de olho em outras oportunidades, também em busca de consolidação, mas que não assumirá “dívidas impagáveis” para tanto.
Ainda que a valores modestos, a atenção fica para os ganhos estratégicos com a aquisição.
Para os analistas Thais Cascello, Gabriel Rezende, Luiz Capistrano e Mateus Raffaelli, do Itaú BBA, o negócio com a MAP elevará e complementará a malha aérea da Gol. Essa aquisição trará ainda dois benefícios: i) elevar a oferta de assentos em rotas historicamente mal atendidas e ii) permitir tarifas mais adequadas, uma vez que a Gol deve manter sua estratégia de voar com apenas um tipo de aeronave. Portanto, substituirá os ATRs da MAP pelos seus Boeing 737: a aquisição da MAP não impôs nenhuma obrigação à Gol de manter os atuais aparelhos no ar.
Sobre possíveis, mais uma notícia que vai na linha da estratégia de fusões e aquisições: a Gol levantou R$ 423 milhões para elevar seu capital, segundo comunicado enviado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) na última segunda-feira. A companhia aérea disse que seus acionistas controladores participaram com um aporte de R$ 268 milhões, enquanto os acionistas minoritários contribuíram com o restante.
De acordo com a agência de classificação de risco Moody’s, o aumento de capital que foi anunciado pela aérea é positivo para o perfil de crédito da empresa, à medida que os recursos ajudam a restaurar a posição de caixa e apoiam o seu balanço para outras oportunidades de aquisições. Além disso, também ajudará a restaurar a posição em caixa da aérea após a incorporação da Smiles no fim do mês, que vai representar uma saída de R$ 744 milhões.
Com relação a aquisição da MAP pela Gol, analistas de mercado ainda destacam que a compra é menos complexa em relação a outras que estão no radar do setor, com destaque para as especulações sobre a intenção da compra da Latam Brasil pela Azul.
Vinícius Carvalho, ex-presidente da autoridade antitruste brasileira Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), afirmou em entrevistas recentes que acredita que há um alto risco de o órgão antitruste rejeitar uma eventual transação entre Latam e Azul devido à concentração do mercado. Ele acrescentou que este é um mercado naturalmente altamente concentrado, com altas barreiras à entrada.
Sobre isso, o Bradesco BBI apontou que, durante a pandemia de Covid-19, o Grupo Itapemirim fundou uma nova companhia aérea no Brasil apesar do fato do grupo ainda estar em recuperação judicial. Discordando de Carvalho, os analistas do banco destacaram que há exemplos que mostram que as barreiras de entradas são baixas – e somente no caso de aeroportos restritos de Congonhas e Santos Dumont, o Cade pode exigir que Azul-Latam devolva alguns slots para estimular a concorrência.
Adiamento de plano de reestruturação: bom sinal para a Azul?
Apesar do cenário bastante nebuloso sobre uma venda da Latam Brasil para a Azul, uma notícia fez com que aumentasse a percepção de que a Azul ganhou tempo para fazer negociações e buscar a aquisição.
A Latam Airlines disse na última quarta-feira que busca estender até setembro o prazo para apresentar seu plano de reestruturação como parte do processo de recuperação judicial iniciado em 2020.
Um juiz já havia ordenado que a empresa entregasse seu plano de reestruturação até o final de junho, e a companhia disse que espera encerrar o processo em 2021. “O pedido de extensão é uma alternativa comum contemplada no processo e não modifica a intenção do grupo Latam de sair da recuperação judicial até o final deste ano”, disse a empresa em um comunicado.
A Latam também disse no Chile que solicitou um segundo desembolso de US$ 500 milhões sob o Acordo de Crédito DIP (Devedor em Posse). A companhia aérea afirmou que os fundos adicionais são necessários dada “a extensão das restrições de saúde e mobilidade impostas pelas autoridades dos diferentes países em que a companhia opera, bem como a análise da projeção de liquidez da companhia”. A empresa também recebeu um empréstimo DIP de US$ 1,15 bilhão em outubro do ano passado.
De acordo com o Bradesco BBI, a notícia seria um indicativo positivo para uma operação entre a Azul e a Latam Airlines. Se esse período de exclusividade for estendido até 15 de setembro, ante de 30 de junho, credores e também a Azul terão tempo adicional para trabalhar em um plano que, na opinião dos analistas, pode culminar na venda das operações domésticas da Latam Brasil para a Azul.
“Também observamos que esta decisão de sacar US$ 500 milhões do financiamento do devedor em posse sugere que a operação ainda está queimando caixa e sua situação de liquidez de caixa continuará a se deteriorar nos próximos meses. Em abril de 2021, a Latam Airlines Group relatou uma queima de caixa mensal de US $ 126 milhões, com uma posição de liquidez de caixa de US$ 1,2 bilhão. Dito isso, com o passar do tempo, o poder de barganha favorecerá a Azul, uma vez que a posição de caixa da Latam provavelmente continuará caindo, mesmo assumindo pagamentos mínimos de arrendamento de aeronaves”, apontam os analistas do BBI.
De acordo com notícias do jornal O Globo, a Azul pode fazer oferta pela Latam Brasil em tribunal de falências dos EUA, podendo propor um plano de reestruturação alternativo para adquirir a operação doméstica, enquanto os acionistas controladores da Latam seguem negando essa possibilidade. Ana Carolina Monteiro, do escritório Kincaid Mendes Viana, é cética em relação ao plano alternativo, pois a Azul tem acesso limitado às informações financeiras e precisaria pagar o financiamento DIP. Por outro lado, o advogado Thomas Felsberg é mais construtivo nesta operação de M&A se a Azul propor a amortização deste financiamento DIP como ponto de partida. O advogado Eduardo Gaban, do escritório Nishioka Gaban, acredita que o Cade rejeitará a fusão.
Antes do pedido da Latam de adiamento dos prazos, o BBI divulgou relatório no dia 7 de junho destacando que uma proposta da Azul para comprar a operação brasileira da Latam poderia ser feita em até 90 dias a partir da divulgação da análise do banco. Em relatório distribuído a clientes, os analistas Victor Mizusaki e Pedro Fontanta afirmaram que uma fusão entre as duas empresas é “muito provável”.
No relatório, o Bradesco BBI destacou que dois grandes credores da Latam podem ter interesse na venda, dado que eles também detêm participação na Azul e teriam um bom retorno se o negócio saísse. O Oaktree Capital Management (empresa americana especializada em investimento de risco), é acionista da Azul, e o Knighthead Capital (também americano) detém títulos convertíveis.
Apostando na fusão das companhias, o Bradesco BBI elevou a recomendação das ações da Azul e da Latam. Os papéis da Azul passaram a ser considerados com uma performance superior à da média do mercado e os da Latam com uma neutra (antes, estavam abaixo da média). O banco afirmou ainda que as ações da Azul devem chegar a R$ 75 no ano que vem – uma alta de 59% na comparação com o preço atual – e os da Latam a US$ 3 (alta de 4,9%).
Ainda segundo o documento do Bradesco BBI, para evitar que o Cade barre o negócio, a Azul pode não incluir a operação internacional da Latam no acordo e abrir mão de alguns horários de pouso e decolagem (slots, no jargão do setor) nos aeroportos de Congonhas (São Paulo) e Santos Dumont (Rio de Janeiro).
Enquanto os analistas do BBI estão otimistas com a operação Azul-Latam, os analistas do Morgan Stanley seguem enxergando grandes dificuldades para que a operação entre as companhias aconteça, vendo grandes obstáculos para a união das operações, ao apontarem que a administração da Latam já foi bastante incisiva ao dizer que não está interessada em vender sua operação no Brasil para a Azul.
O Morgan possui recomendação underweight (ou exposição abaixo da média do mercado) para os ADRs (recibo de ações negociados nos EUA) das aéreas Gol e Azul, além das ações da Latam negociadas nos EUA. O preço-alvo para os ativos da Azul é de US$ 17, um valor 38% maior em relação ao fechamento da véspera enquanto que, para a Gol, o target é de US$ 6,60, ou queda de 34%. Para a Latam, o preço-alvo é de US$ 3,50, ainda representando uma alta de 25% em relação ao fechamento de segunda-feira (14).
O BBI, por sua vez, possui recomendação neutra para as ações da Gol, com preço-alvo de R$ 24 por ativo (queda de 5% frente o fechamento da véspera), assim como o Itaú BBA, que acredita que as perspectivas para o futuro permanecem incertas, o que eleva a cautela quanto ao nome. “A Gol vem gradualmente reconstruindo sua rede após o severo impacto da crise da Covid-19 no tráfego aéreo em 2020. Os ventos contrários de curto prazo da segunda onda da pandemia impedem uma perspectiva mais construtiva para o primeiro semestre de 2021, mas o nosso cenário base ainda é de um segundo semestre mais positivo”, aponta o BBA, que possui preço-alvo de R$ 24,50 para os ativos GOLL4 (ou queda de cerca de 3%).
Os analistas projetam que oferta de voos no mercado doméstico (calculada em assentos/quilômetros ofertados, ASK) só retornará aos níveis de 2019 em 2022, seguido por adição gradual de capacidade depois disso. “Esperamos que a indústria permaneça racional, com todos os participantes buscando recuperar rentabilidade após os desafios de 2020 e primeira metade de 2021 e um panorama ainda incerto. No entanto, é importante monitorar a capacidade dos recém-chegados, a adição de capacidade dos jogadores atuais e sinais de uma dinâmica de preços agressivos. Tendo em vista que a recuperação do segmento de negócios permanece um ponto de interrogação, a Gol terá que continuar a otimizar os viajantes de lazer, que não foram capazes de compensar totalmente a queda no tráfego no segmento corporativo
até agora – uma tendência que provavelmente continuará”, apontam.
Do lado positivo, a estratégia de frota única da empresa (em constante busca por utilização de aeronaves maiores), plano de transformação da frota atual e controle rígido de custos e de despesas continuarão a ser os principais catalisadores para um custo por assento oferecido (CASK) mais baixo entre os pares e levando a uma recuperação de lucratividade. Quanto ao seu endividamento, a Gol adotou diversas medidas para preservar o caixa e fortalecer a liquidez, que serão vitais para enfrentar a crise. Por outro lado, alguns desembolsos ocorrerão à medida que as operações se recuperarem junto com a melhora da demanda, apesar de alguns ganhos de eficiência contínuos.
Assim, apesar da alta recente dos papéis – no acumulado dos últimos 365 pregões, AZUL4 sobe 109% enquanto GOLL4 avança 29% – também levando em conta as perspectivas mais positivas para a economia com a aceleração do ritmo de vacinação no país, a maior parte dos analistas segue cautelosa com o setor.
De acordo com compilação da Refinitiv com recomendações de casas de análise, duas casas de análise possuem recomendação de compra para Gol, sete possuem recomendação neutra e duas têm venda, com preço-alvo médio de R$ 24,35, ou um valor 3,5% menor frente o fechamento de terça-feira. Para a Azul, há três recomendações de compra, seis de manutenção e duas de venda, com preço-alvo médio de R$ 37,88 para AZUL4, ou queda de 18% frente as cotações atuais. Para a Latam Airlines, negociada no mercado de balcão nos EUA, duas recomendações são neutras e duas são de venda, com preço-alvo de US$ 2,18, ou queda de 22% em relação ao fechamento da véspera.
Fonte: InfoMoney