Cultura
Quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Filme da Mamba Negra acerta ao mostrar que festa realiza fantasias

JOÃO PERASSOLO – Nas primeiras cenas do recém-lançado documentário sobre a festa Mamba Negra, um grupo de jovens cola cartazes anunciando uma edição do evento nas ruas de São Paulo.
“É um jeito de a festa continuar existindo fora do momento da festa, existir na rua, existir no espaço público de algum jeito”, diz um deles. “Muita gente pode ser o que é na Mamba, no dia a dia ela não é aquilo”, completa outro.
Nos dois minutos iniciais, o curta-metragem de Teo Mannu e Alessio Ortu resume, nas falas desses personagens, o mundo que os diretores retratam -jovens que fizeram de uma das mais importantes baladas de música eletrônica do país na última década o seu lugar de expressão.
O forte do filme é deixar claro que “lugar”, no universo da festa criada por Carolina Schutzer e Laura Diaz há quase oito anos, significa tanto um espaço físico quanto um local de existência de subjetividades e, por que não, de realização de fantasias.
Vemos que a Mamba Negra ocupa as ruas do centro paulistano num trio elétrico durante o dia, e também os galpões de estética industrial da Fabriketa, no Brás, de madrugada, se apossando da cidade como se fosse sua.
Em outra cena, o performer Euvira ajusta acessórios de couro no corpo enquanto fala para a câmera que, por ser negro, gay, da periferia e nordestino, não era para estar vivo. Nos momentos seguintes, a câmera mostra o artista no auge de sua potência ao se apresentar na festa, o que segundo ele próprio é um ato de vitalidade e de protesto.
A precisão dos diretores ao retratar as diferentes camadas de atividade da Mamba Negra facilita o entendimento desse mundo para um espectador de fora, enquanto mata as saudades dos frequentadores nesta época de pandemia e de baladas virtuais.
Além disso, o filme é um breve documento de um evento profundamente ligado com a São Paulo da década de 2010 -a balada movimenta milhares de pessoas todos os meses, entre público, produção e artistas.
Outro momento interessante na tela é o registro de um ensaio da banda Teto Preto na casa de um dos integrantes, levando o espectador para a intimidade do grupo –surgido com a festa– que mistura letras de protesto às batidas do techno e que revelou para a cena o performer e agora cantor Loïc Koutana.
O documentário só não ganha a nota máxima porque deixa de contextualizar a festa numa cena maior da qual ela faz parte e que ajudou a criar, mudando a noite de São Paulo ao acolher novos públicos sob a égide do DJ e ao dar espaço para performers fora do sistema da arte tradicional.
Não há menção de outras baladas importantes, como Capslock, ODD, Sangra Muta e Vampire Haus, por exemplo, que dividem artistas, público e também a maneira progressista de ver o mundo com a Mamba Negra.

Fonte: FolhaPress