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Segunda-feira, 6 de maio de 2024

Alvo de urbanistas, novo Anhangabaú também une candidatos contra Covas

CAROLINA MORAES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A reforma do Vale do Anhangabaú e sua recente concessão pelo prefeito Bruno Covas (PSDB) a um consórcio se tornaram alvo de urbanistas e uniram candidatos adversários da campanha eleitoral em críticas ao tucano.
Entre as mudanças criticadas por especialistas estão a remoção de árvores e a possível realização de eventos privados pela empresa que assumir a gestão, além do apagamento do projeto anterior.
Já os candidatos Celso Russomanno (Republicanos), Guilherme Boulos (PSOL), Márcio França (PSB) e Jilmar Tatto (PT) publicaram em suas redes sociais críticas ao valor da concessão, de R$ 6,5 milhões, em comparação ao valor da reforma, que custou R$ 94 milhões aos cofres públicos.
Russomanno também citou as enchentes recentes na região e disse que a reforma “não conseguiu resolver esse problema”.
O projeto, que começou a ser discutido em 2007, na gestão de Gilberto Kassab, foi criado na administração de Fernando Haddad (PT) e teve consultoria do escritório de arquitetura do dinamarquês Jan Gehl, doada pelo Itaú em 2013.
Ele começou a ser executado já na gestão Bruno Covas. Iniciadas em 2019, as obras deveriam ter acabado em junho. Devido à pandemia da Covid-19, houve atraso, e a conclusão ficou para outubro. No último dia 31, no entanto, a gestão tucana prorrogou a entrega por mais 60 dias.
Segundo a prefeitura, “a reforma e a concessão do Vale do Anhangabaú buscam transformar o local, antes visto somente para passagem, em um espaço mais convidativo e de permanência à população”.
Para isso, o novo espaço tem 850 fontes, 303 pontos de iluminação, pista de skate, 12 quiosques (que futuramente vão abrigar serviços, comércio, alimentação e sanitários) e bancos. Segundo a prefeitura, tem 537 árvores –355 delas preservadas do projeto anterior.
Urbanistas, no entanto, questionam a falta de participação pública efetiva para tomada de decisões.
“O maior problema desse episódio não é o projeto em si, mas é o processo através do qual ele se deu”, afirma Valter Caldana Jr., professor de arquitetura e urbanismo na Universidade Presbiteriana Mackenzie.
“Uma vez doado para a prefeitura, o projeto seguiu uma tramitação que é legal, mas discutível. Hoje, existem metodologias ditas colaborativas, sobretudo de projetos urbanos, em que você cria condições de pertencimento.” Ele aponta como ponto positivo raro o fato de ter havido continuidade do projeto entre gestões de diferentes partidos.
Segundo Danielle Klintowitz, urbanista e coordenadora do Instituto Pólis, a falta de consulta pública se deu também na decisão de onde o recurso usado no vale seria aplicado.
A obra que custou R$ 94 milhões –R$ 14 milhões a mais do que o previsto inicialmente– foi custeada pelo Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb), que é gerido pela Secretaria de Urbanismo para usos como implantação de equipamentos urbanos e habitação de interesse social.
“O dinheiro poderia ter sido investido para implantação de outros lugares públicos na cidade que têm sido reivindicados pela população, como os parques Augusta e dos Búfalos”, diz Klintowitz.
“A gestão Haddad começou com uma ideia de fazer consultas, mas elas acabaram sendo muito voltadas para especialistas”, diz a urbanista. “Na gestão Bruno Covas eles não retomaram o processo participativo.”
Entre os processos participativos para a reforma, a prefeitura promoveu workshop com entrevistas e análises de campo em 2013 e consulta pública online em 2014. Houve também a apresentação em audiência pública em 2015.
“Foi escolhida a consultoria de uma pessoa de fora, o projeto tramitou basicamente dentro da SP Urbanismo, dentro da prefeitura”, diz Guido Otero, arquiteto, urbanista e representante do IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil).
“Teve consulta, audiência, temos que tomar cuidado quando falamos que não teve participação porque passou por alguns processos participativos. Mas o processo parece muito menos democrático do que o que foi feito anteriormente.”
O projeto a que ele se refere é o último do Anhangabaú antes da nova reforma, fruto de um concurso público em 1981 e obra dos arquitetos Jorge Wilheim, Jamil Kfouri e Rosa Grena Kliass.
Luanda Vannuchi, doutora em planejamento urbano pela FAU-USP, explica que a reforma atual acompanha uma tradição de redesenhos do Vale do Anhangabaú que apagam o projeto que o precede.
“A cada três ou quatro décadas pretendem redesenhá-lo inteiro, com o que se consideram os novos parâmetros urbanísticos, sempre sem nenhum apreço ao que existe antes”, diz. “Sempre há uma justificativa de que vai ser melhor, mais moderno, mais interessante, e na verdade a memória [dos projetos anteriores] também é interessante.”
Para Vannuchi, os elementos atuais não dialogam com a cidade paulistana, e sim com uma cidade nórdica. “A arquitetura anterior, do projeto do Wilheim, com as linhas curvas, dialoga com uma tradição arquitetônica autêntica brasileira, do que foi o modernismo brasileiro. Isso tudo é retificado: agora é tudo reto, cinza e preto, uma estética que não dialoga com nada do que existe aqui”, afirma.
Ela diz que o projeto anterior também tinha problemas, mas era possível fazer pequenas alterações, sempre em diálogo com a população. “Parece que a pergunta que moveu esse projeto atual não é o que pode melhorar, mas sim ‘o que podemos ter?’.”
Mario Biselli, arquiteto do escritório Biselli Katchborian e responsável pelo desenvolvimento do projeto, afirma que o novo desenho foi para “intensificar a vocação que o vale anunciou à cidade nos anos 1980, com os grandes movimentos pela redemocratização”.
Ele também diz que no centro do vale, onde a superfície está próxima da laje dos túneis, não é possível plantar árvores nem gramado, já que ambos causam problemas de infiltração e manutenção. Por isso, diz, as plantas que estavam no centro da praça foram retiradas e deram lugar a um extenso piso de concreto.
“Pouca gente vê, mas, debaixo da superfície do piso, há instalações que são um negócio astronômico, passam ali fiações, tubulações.” O arquiteto afirma que essa parte foi replanejada e que agora tem uma manutenção planejada.
Mario Biselli também ressalta que o uso de piso de concreto e as escolhas da nova reforma são elementos que “estão em cidades contemporâneas pelo mundo todo”.
Sobre críticas relacionadas às enchentes, Fernando Chucre, secretário de Desenvolvimento Urbano do município, afirma que a área já era impermeável antes da reforma.
“Ali é uma região onde antes era um rio. Quando chove muito, ele vai alagar. Esse é um problema estrutural de São Paulo e independe um pouco de gestão, de projeto de visão para aquele espaço”, diz Luanda Vannuchi. A solução, diz, seria destamponar o rio, medida que considera muito difícil.
“Acho um equívoco deixar essa avenida completamente descoberta em uma cidade como São Paulo, em que o sol é forte e a chuva é intensa em grande parte do ano”, critica Guido Otero.
Vanucchi também aponta como um problema da nova reforma “empurrar para os cantos a possibilidade de permanência”, já que o mobiliário saiu da área central. Também afirma que a vegetação anterior também era mais acolhedora.
Danielle Klintowitz afirma que os novos jatos d’água tornam o ambiente molhado e hostil à permanência da população de rua que procura um lugar para se abrigar.
Biselli afirma que “qualquer sinal de que houvesse uma descriminação era imediatamente eliminado da discussão” do projeto. “O espaço não tem barreira, é aberto, tem um mobiliário amplo, que não tem nenhum elemento defensivo”, argumenta o arquiteto.
Guido Otero afirma que o projeto parece querer atrair mais turistas, com a possibilidade de funcionamento de serviços e comércios que não tenham preços populares.
A possibilidade de o espaço se tornar restrito a alguns públicos é uma das discussões que envolvem a concessão do espaço.
Quem ganhou a concessão do novo Anhangabaú foi o consórcio Viaduto do Chá, formado pelas empresas G2P Partners e GMCOM Eventos e Projetos Especiais.
Além dos eventos abertos ao público e da utilização dos quiosques e das galerias Formosa e Prestes Maia, o edital prevê a possibilidade de seis eventos de acesso restrito por mês, em área máxima de 2.000 metros quadrados e que poderão ter duração máxima de 24 horas, incluindo período de montagem e remoção de estruturas autoportantes utilizadas.
Fernando Chucre diz haver dois pontos principais que justificam a concessão: economia com processos de manutenção e segurança, estimada pela prefeitura em R$ 32 milhões, e a possibilidade de quantidade maior de eventos e shows. Segundo ele, a prefeitura não tem aptidão para gerar eventos toda semana.
Ele também diz que não acredita que os eventos privados atrapalhem o processo de requalificação do espaço e afirma que a prefeitura teve o cuidado de preservar o calendário público, com eventos como a Virada Cultural, no vale.
Sobre a crítica ao valor da concessão, de R$ 6,5 milhões, a prefeitura diz que, além de estar acima do mínimo para outorga, que era de R$ 95 mil, o benefício mínimo estimado é de R$ 46 milhões.
“Tem um custo pra gente, que é importante lembrar, que é o que a prefeitura deixa de gastar na manutenção, na operação e na estruturação desses equipamentos”, diz Chucre.
Guido Otero faz coro aos que criticam o valor da concessão e afirma que recuperar o investimento público é o que justifica a concessão de um espaço público. “No final, o público está investindo para a iniciativa privada se beneficiar aparentemente, fica um pouco estranho”, afirma.