TETÉ RIBEIRO
FOLHAPRESS – “Ratched”, a nova série de Ryan Murphy, tem sido anunciada como a história de origem da enfermeira-chefe de “Um Estranho No Ninho”, e de como ela vira a mulher durona, autoritária e sádica do hospital psiquiátrico onde se passa o filme.
Mas essa descrição não é acurada para os oito episódios do programa. Talvez seja mais preciso dizer que “Ratched” revela de cara uma pessoa perturbada e os atos macabros, às vezes medonhos, que ela é capaz de fazer para atingir seus objetivos.
A essa altura, o público já sabe o que esperar de uma produção de Ryan Murphy (“American Crime Story”, “Hollywood”, “Glee”), e “Ratched” tem todos os atributos: visual impecável, um ou outro personagem completamente louco, drama suntuoso, sexo e sangue.
Com o aspecto de um filme noir, a série não faz questão de explicar logo por que, exatamente, a senhorita Ratched, interpretada por Sarah Paulson, se torna a pessoa que ela é. A trama já começa com a personagem fazendo uso de chantagens, segredos e mentiras sem constrangimento. Mas isso não chega a incomodar.
Quando o espectador aceita esse salto e alguns momentos mal resolvidos no roteiro, é recompensado com um dos produtos mais bem estruturados e fáceis de serem seguidos da grife de Ryan Murphy.
Mas não sem um preço a pagar. Há cenas grotescas de membros sendo cortados, marionetes incestuosas, assassinatos violentos e atos de psicose. Com tantas emoções, difícil acreditar que uma hora a coisa toda fica meio aperreante.
Muitos mistérios aparecem no início da série e depois são esquecidos. E a personalidade da enfermeira aos poucos vai se transformando e amolecendo. O fascínio que os capítulos iniciais promovem acabam quase não compensando o enfraquecimento da trama.
Diferentemente do filme que revelou a nossa protagonista, “Ratched” se passa em 1947 e já começa sangrenta, com um assassino chamado Edmund Tolleson (Finn Wittrock) matando quatro padres e sendo mandado para um hospital psiquiátrico.
Paralelamente, a senhorita Mildred Ratched dá um jeito de conseguir um emprego nesse mesmo hospício no norte da Califórnia, comandado pelo Dr. Richard Hanover (Jon Jon Briones), que faz em seus pacientes experimentos de legitimidade questionável.
Não fica claro porque Ratched precisa tão desesperadamente estar neste hospital ou o que Edmund tem a ver com ela, mas essas pontas e quase todas as outras são costuradas no decorrer dos episódios.
No trabalho, a enfermeira vai se tornando cada vez mais sinistra e controladora, especialmente quando outras pessoas, como o governador Milburn (Vincent D’Onofrio), sua assessora de imprensa Gwendolyn (Cynthia Nixon) e a glamorosa milionária Lenore Osgood (Sharon Stone) entram em cena para atrapalhar ou interromper seus planos.
Comparada com “American Horror Story” ou até “The Politician”, a sequência de acontecimentos que causam as reações extremas e progressivamente mais tenebrosas da enfermeira parecem quase plausíveis. No final, “Ratched” acaba revelando a origem da personalidade doentia e os traumas que incitaram tudo isso, mas essa parte parece quase secundária em relação às ações do presentes e as dimensões que elas tomam.
Em todo caso, quase todas as cenas estimulam os sentidos, seja pela violência explícita, seja pelos cenários de tirar o fôlego ou o figurino extraordinário -especialmente o de Sharon Stone, cuja personagem anda sempre com um macaco com roupas iguais às dela sentado em seu ombro.
“Ratched” funciona muito bem como um thriller sensual, ainda que não entregue a exploração intelectual que promete.
Em “Um Estranho No Ninho”, a enfermeira Ratched é a face da opressão institucionalizada, aqui ela aparece só como uma pessoa maldosa e traumatizada que quer se ver livre de um traço de sua personalidade não aceito na época -o lesbianismo, considerado então uma doença psiquiátrica, e o estrago que a repressão de desejos naturais pode impor na psique de um ser humano. Essa não é a única explicação, mas uma das causas principais da deformação dessa pessoa degenerada.
Outro tema menos desenvolvido mas que aparece paralelamente é como a repressão institucional das mulheres pode enlouquecer. E aqui há, a propósito, grandes papéis para atrizes de mais idade que não se resumem a esposas ou responsáveis por crianças.
As performances são um dos pontos altos do programa, Judy Davis está espetacular como a enfermeira caretona Bucket, Jon Jon Briones brilha como o cientista maluco e atormentado e Sharon Stone rouba a cena como a milionária excêntrica em busca de vingança. Sarah Paulson está impecável como a enfermeira Ratched.
É um entretenimento estiloso, grandioso, talvez um pouco assustador demais, que tem seus defeitos, mas que não dá para parar de ver no meio.
Cultura
Sexta-feira, 20 de setembro de 2024
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