PAULA SPERB
PORTO ALEGRE, RS (FOLHAPRESS) – Trabalhando ao menos oito horas por dia em um escritório em Washington, o escritor gaúcho Erico Verissimo se empenhou para situar as Américas do Sul e Central em um patamar de igualdade com a do Norte, habituada ao seu status de domínio cultural e econômico.
Autor da trilogia “O Tempo e O Vento”, Verissimo foi diretor do Departamento de Assuntos Culturais da OEA (Organização dos Estados Americanos) de 1953 a 1956, seu único cargo político. O conjunto de seus discursos revela uma postura diplomática sem submissão e uma defesa intransigente da liberdade.
Diferentemente de outros intelectuais de sua época, como o amigo Jorge Amado, Verissimo nunca pertenceu ao Partido Comunista. Suas manifestações como dirigente da OEA, porém, poderiam torná-lo um perigoso “vermelho” aos olhos dos nativos.
Os Estados Unidos viviam a Guerra Fria, com forte propaganda anticomunista. Jorge Amado, por exemplo, sequer poderia entrar no país comandado por Dwight D. Eisenhower e chegou a ser espionado pela CIA, a agência de inteligência norte-americana, na década de 1950.
Neste contexto, em 21 de fevereiro de 1955, em uma conferência no Hollins College, em Virgínia, Verissimo proferiu, em inglês: “Penso que seria um triste erro fazer nossos países seguirem a trilha dos Estados Unidos e se tornarem capitalistas. Espero que um dia possamos alcançar um tipo de socialismo cristão moderado, pleno de liberdade social. Para esse fim, é necessário que os raros felizes desistam daquilo que constitui luxo, para que a maioria possa ter o essencial.”
Este e outros discursos inéditos integram o livro “Erico Verissimo na União Pan-Americana: Discursos” (Edições Makunaíma, 2020), organizado pelas pesquisadoras Maria da Glória Bordini e Ana Letícia Fauri, com apoio público do CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). O e-book é gratuito para download.
Os discursos foram encontrados por Fauri na Biblioteca Colombo, em Washington. A biblioteca é ligada ao departamento que Verissimo chefiou. A descoberta ocorreu enquanto Fauri procurava material relacionado ao pensamento político do autor para sua tese de doutorado.
“A questão política era uma das menos desenvolvidas sobre o Erico. A grande questão era ele era de direita ou de esquerda. Condenavam-no por ser muito liberal ou por ser muito conservador, por razões mais díspares”, explica Fauri, professora do Departamento de Línguas Românicas e Literatura da Universidade de Notre Dame, em Indiana.
Nos seus discursos, Verissimo defendeu também a erradicação do analfabetismo e o acesso a itens básicos como alimento e serviço de saúde
“Ele propõe àqueles que buscam hegemonia que conheçam melhor os países que apenas olham a América do Sul e Central com interesses comerciais e ideológicos. Ele fez algo que não sei se outro escritor brasileiro teria feito na mesma situação”, diz Bordini, professora convidada da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e que se dedica ao estudo da obra do autor desde a década de 1980.
No Brasil, o Acervo Literário de Erico Verissimo (Alev) integra o Instituto Moreira Salles (IMS), no Rio de Janeiro, desde 2009.
“Que o americano das ruas -o homem de apenas educação básica- continue acreditando na imagem da América Latina que os filmes padrão de Hollywood apresentam -a dança do mambo, señoritas, alegres caballeros com grandes sombreros tocando violão ou desfrutando de siestas e fiestas intermináveis. Mas os senhores, que estudam na faculdade, que leem e querem aprender, deveriam conhecer melhor e evitar todos esses clichês e fórmulas tolas”, discursou Verissimo, fazendo uma crítica pouco sutil.
Verissimo assumiu o cargo na OEA atendendo ao convite do seu antecessor, Alceu Amoroso Lima, conhecido também sob o pseudônimo Tristão de Athaíde. Alguns de seus discursos eram proferidos também em espanhol. O gaúcho se apresentava como “escritor e cidadão das Américas”.
Ao defender a liberdade e criticar ditadores, não deixou de citar a “pressão externa” sob os países latino-americanos. Pouco mais de uma década mais tarde, as ditaduras militares na América Latina sofreram grande influência dos Estados Unidos, como já mostrou vasta documentação da época.
“Aqueles que favorecem governos autoritários entre nós costumam dizer que um país de mestizos não pode ser governado democraticamente. Eu me ressinto disso. Primeiro, da implicação de que um mestiço é um ser inferior”, critica o romancista.
“É muito melhor ter uma democracia imperfeita do que uma assim chamada ditadura benevolente, e que o único modo de alcançar uma democracia perfeita é pelo estágio intermediário da nossa atual democracia imperfeita”, acrescentou.
Todavia, não é apenas do preconceito racial que o escritor se ressentia. Ele manifestou seu desconforto com o rótulo de “comunista” para qualquer um que defendesse uma maior igualdade social.
“Muitos intelectuais em nossos países foram rotulados de comunistas porque desejam proporcionar uma vida melhor aos menos favorecidos, porque falaram ou escreveram contra a ditadura e a opressão em seus países ou contra a pressão de trustes estrangeiros. Os senhores precisam esquecer as vantagens imediatas e aprender quem são seus verdadeiros amigos”, falou.
A desaprovação de tal postura se soma a outra, que pode soar atual em um momento de negacionista de fatos científicos e ataques a acadêmicos e intelectuais. Segundo ele, não só atrás da Cortina de Ferro, mas nos países democráticos, intelectuais “são encarados com desconfiança e má vontade por políticos reacionários e grandes empresários, que os consideram um elemento perturbador”.
Por sua vez, argumenta Verissimo, o “empreendedor, o industrial, o empresário é glorificado”. A diferença de tratamento ocorre, segundo o autor, como “resultado da sutil e insistente influência da própria doutrina que desejam combater e varrer da face da terra, os líderes do mundo ocidental parecem ter chegado à conclusão de que todos os problemas humanos podem ser resolvidos por meios econômico”.
“Em uma época de grandes contrastes e disputas, seus discursos até se assemelham com algumas coisas que vivemos hoje”, diz Fauri.
Cultura
Terça-feira, 23 de julho de 2024
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