Cultura
Domingo, 5 de maio de 2024

‘Atrás da Sombra’ carrega o espectador para dentro de intriga mística

INÁCIO ARAUJO
FOLHAPRESS – De “Atrás da Sombra” pode-se falar que arrebanha uma dúzia de clichês: o detetive particular a perigo, a cidadezinha hostil a estranhos, uma misteriosa empresa que domina o local, as pessoas não menos misteriosas que acolhem o detetive etc.
Todos esses clichês, no entanto, são logo esquecidos, absorvidos pela atmosfera estranha em que mergulha o espectador: o misticismo, a noite, as caronas inesperadas, as caminhonetes da tal empresa, o bar.
Se estivéssemos numa paisagem conhecida, tudo isso seria, talvez, imperdoável. Mas, não: é o interior de Goiás, sua vegetação, suas ruas mal iluminadas, é isso o que primeiro chama a atenção: as coisas e pessoas em que não reparamos, mesmo quando vemos.
É ali que Jorge, o detetive, vai exercer seus dotes. Espera, em troca, receber uma bolada que o livre dos problemas que enfrenta com humanos. Sim, porque o caso envolve a presença de uma assombração.
E assombrações -por mais gastas que estejam, quando aparecem numa floresta, num lugar onde nunca sabemos se o personagem está perdido ou não, se está sendo traído ou não, perseguindo ou sendo perseguido- são recursos eficazes, especialmente do modo que é usado em “Atrás da Sombra”, porque existe entre a pura imaginação primitiva, o poder de sugestão e o sobrenatural puro e simples. Isto é, estamos num lugar misterioso por excelência, Goiás, e o filme parece saber bem disso.
Essa é talvez a principal razão de o filme transitar com desenvoltura entre o policial e o terror, sem ofender o senso crítico do espectador e até carregando-o para dentro da intriga.
Digamos que para isso não colabora a exposição, sumária e um tanto confusa. E já que estamos no terreno dos problemas do filme, vale assinalar também que o recurso constante ao onírico não é dos mais interessantes. Ao menos até o ponto em que sonho e realidade passam a se fundir. É quando Jorge pisa, ao mesmo tempo, nos dois terrenos: o real e o sobrenatural, o sonho e a vigília se encontram num mesmo lugar, o cinema.
Entre as virtudes mais evidentes de “Atrás da Sombra” vale assinalar não apenas o sentido de atmosfera e a boa direção de atores imposta por Thiago Camargo em seu primeiro filme, bem como a presença notável do protagonista, Bukassa Kabengele.
Também é relevante o fato de esse ser um filme goiano, um cinema que há muito tempo não costuma circular pelo Brasil: a proposta que o cinema novo impôs nos anos 1960, de mostrar o Brasil, aos poucos vai se transformando em muitos cinemas que, por fim, acabaram com o monopólio do chamado eixo Rio-São Paulo.