Cultura
Quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

‘Sombra e Ossos’ mostra potencial para herdar os fãs de ‘Harry Potter’

MATHEUS MOREIRA –

“Sombra e Ossos”, nova série da Netflix, é o que todo fã de sagas literárias espera de uma adaptação. Com personagens cativantes, romance que não tem medo de ser brega e bons efeitos visuais, a produção se destaca diante de outras que tentaram emplacar suas sagas literárias e falharam, como “Eragon” e “Percy Jackson”.
Alina Starkov reina com uma mistura de meiguice e atrevimento na atuação de Jessie Mei Li. A produção é uma adaptação da trilogia “Grish”a, escrita pela israelense Leigh Bardugo e publicada pela primeira vez em 2012.
A história, tanto da série quanto do primeiro livro, que corresponde à primeira temporada, usa bem a jornada do herói que, no geral, já vimos e amamos diversas vezes, com Harry Potter e Katniss Everdeen, de “Jogos Vorazes”, por exemplo.
A jovem protagonista é uma cartógrafa do primeiro exército de Ravka, um país fictício que está em guerra com outras duas nações fronteiriças.
Ravka vive uma situação difícil e incomum, já que uma grande muralha de sombras chamada de Dobra divide o país e impede o acesso ao litoral, causando conflitos políticos e dificuldades econômicas.
Na Dobra, monstros chamados de volkra parecem ter como único alvo os seres humanos. Além disso, o país tem como cidadãos os grisha, pessoas que são capazes de manipular água, fogo, ar e outras matérias.
Alina é uma grisha e descobre ser, inclusive, a única do seu tipo, uma conjuradora do Sol que, segundo profecias, acabaria com a Dobra, criada séculos atrás pelo Herege Negro, um grisha que controlava sombras.
A descoberta acontece durante uma incursão na Dobra com o primeiro e o segundo exércitos, respectivamente, de não grishas e grishas, com objetivo de chegar a Ravka Leste e ao litoral.
Após descobrir seu poder, Alina é convocada a lutar pelo segundo exército comandado por Darkling (Ben Barnes), o único grisha de sombras vivo e que descende do Herege Negro.
A relação com Darkling põe em xeque o amor que Alina sente por seu melhor amigo, Mal (Mally, no livro), que ficou para trás após ser ferido na obra. Mal é um excelente rastreador e integra a infantaria do primeiro exército. Temos aqui o triângulo amoroso que funciona e não se perde em ciúme tolo.
A jornada de Alina, de órfã à Santa Alina, como fica conhecida por toda a Ravka, é mostrada ao longo da primeira metade da temporada.
A narrativa tem tudo o que uma boa jornada do herói pede: questionamentos sobre a própria capacidade, profecias, reviravoltas, assassinos, o mestre que ensina protagonista a usar os poderes recém descobertos, intrigas e um personagem antagônico que inveja o herói.
No entanto, a série vai além e acrescenta elementos da literatura e do audiovisual para jovens adultos: sexo implícito, romances com direito a frases clichê, mas que funcionam por justamente se reconhecerem bregas, mortes bem filmadas e camadas sobre camadas de intrigas políticas -embora essa parte precise de um investimento maior para disputar com “Game of Thrones”, por exemplo.
A jornada do herói associada ao clima de histórias para jovens adultos não é a única combinação que valoriza “Sombra e Ossos” ou que explica a sensação de que há duas séries em uma.
Os oito episódios de “Sombra e Ossos” também acompanham uma segunda saga literária que deriva da trilogia “Grisha” e se passa no mesmo universo, a duologia “Six of Crows”.
No entanto, o enredo é original e foi desenvolvido pela própria Leigh Bardugo para o seriado para servir de história de origem da duologia.
Foi uma jogada de mestre da Netflix, que deixou engatilhada, após o episódio final da temporada, um gancho para uma série derivada com quatro personagens muito cativantes, com histórias bem construídas e que deixam o público com vontade de mais.
Destaque para o pistoleiro negro e LGBTQIA+ Jesper, interpretado pelo inglês Kit Young, e para Inej, uma acrobata interpretada por Amita Suman, atriz nascida no Nepal.
A convergência das duas sagas adaptando o universo Grisha, francamente inspirado na Rússia dos czares, mostra a que veio na segunda metade da temporada.
O nome por trás da série, Eric Heisserer, toma liberdades criativas que divergem do primeiro livro da trilogia principal, mas que são convenientes, às vezes engraçados e levam aos mesmos acontecimentos.
É um desvio oportuno de percurso que tem potencial de agradar e surpreender até mesmo aos fãs dos livros. Tudo vem acompanhado de perto pela mente por trás do universo “Grisha”, que assina a produção da série ao lado de Heisserer (“Bird Box”, 2018), Shawn Levy (“A Chegada”, 2016), Pouya Shabazian (“Divergente”, 2014), Dan Levine (“Mentes Sombrias”, 2017) e Dan Cohen (“Amor e Monstros”, 2021).
Não é exagero dizer que a série trata com respeito a mitologia rica construída por Bardugo e acrescenta ainda mais camadas a história.
A produção certamente terá uma segunda temporada e tem o que é preciso para ser a próxima grande mina de ouro da Netflix e herdar de “Jogos Vorazes” o manto de adaptação de saga literária sucesso de audiência.

Fonte: FolhaPress