LUCAS BRÊDA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Geraldo Azevedo não se lembra de ter ficado tanto tempo longe dos palcos quanto nos meses de quarentena. “Nunca fiquei tanto tempo sem pegar um avião”, diz o cantor e compositor.
Tanto quanto a vida na estrada, em especial neste mês, Azevedo sente falta das festas de santo Antônio, são João e são Pedro. Devido à pandemia, os arrasta-pés deste ano ocorrerão só em transmissões pelas redes sociais ou estão adiados para quando o contágio estiver controlado.
Um dos artistas mais requisitados para as celebrações juninas, ele celebra essa cultura com um disco. “Arraiá de Geraldo Azevedo”, gravado ao vivo, é o registro de um show que o cantor apresenta há mais de dez anos.
“Quando comecei a fazer os shows de São João, ainda era muito mais de canções próprias –xotes, xaxados, baiões. Depois, comecei a inserir clássicos. Não podia deixar de cantar Jackson do Pandeiro e Luiz Gonzaga, são os mentores.”
“Arraiá”, registrado no Circo Voador, onde Azevedo se apresenta em junho há 11 anos, traz no repertório clássicos atemporais do forró nordestino. Só de Luiz Gonzaga, aparecem trechos de “Olha pro Céu”, “São João na Roça”, “ABC do Sertão”, “Xote das Meninas” e “Sabiá”, mas ainda há espaço para “Óia Eu Aqui de Novo”, de Antônio de Barros, “Petrolina e Juazeiro”, de Jorge de Altinho, e “O Canto da Ema”, conhecida na voz de Jackson do Pandeiro, entre outras.
A influência dessas músicas, diz Azevedo, vem da infância. “Hoje a gente sabe que o forró virou nacional, mas nasci na zona rural de Petrolina. A expectativa era grande. A gente juntava madeira para a fogueira, todas as casa tinham. Além dos fogos, ainda limitados, existiam superstições. Eu, por exemplo, tive padrinho e madrinha de São João, daqueles rituais na fogueira.”
Do interior de Pernambuco, ele lembra de assar milho na brasa, do clima de paquera nos convites para dançar quadrilha, das comidas típicas e dos jogos. “A gente não tinha luz elétrica e dormia umas 20h, mas no São João a fogueira iluminava a noite toda.”
Já conhecido, Azevedo chegava a ficar intoxicado com a fumaça das fogueiras nas turnês juninas pelo estado natal. Até passou a pedir uma barraca com comidas típicas no camarim. “Era uma das coisas que eu sentia falta. Pedia à produção para montar no camarim. Com munguzá, canjica, doce de macaxeira.”
Além da memória junina, “Arraiá” tem versões puxadas para o forró de “Espumas ao Vento” (famosa na voz de Fagner) e de músicas conhecidas de Azevedo, entre elas “Moça Bonita” e “Sétimo Céu”.
Mais do que o repertório autoral, o cantor insere sua estética pessoal no forró. É uma mistura das características mais tradicionais do estilo com a linguagem desenvolvida por Azevedo a partir dos anos 1970, em discos como “Bicho de 7 Cabeças”, e também ao lado dos contemporâneos e parceiros de Grande Encontro, Elba Ramalho, Alceu Valença e Zé Ramalho.
Segundo o cantor, que incrementa as músicas com bateria, guitarras e percussões, o forró pé-de-serra –de sanfona, piano e zabumba– segue o mais autêntico até hoje. Ainda assim, o estilo perdeu espaço nos últimos anos.
O cenário começou a mudar nos anos 1990, ele lembra. Ele chegou a brigar com uma prefeita de Campina Grande, na Paraíba, depois que Elba Ramalho foi substituída por Zezé di Camargo & Luciano.
“Porra, é uma festa nordestina. Só acho que realmente se perdeu um pouco. Mas o Brasil tem essa riqueza musical. Temos que aceitar democraticamente”, ele afirma.
Essa percepção, diz o cantor, faz falta ao governo federal. “Não entende a necessidade do povo. E tem essas manifestações antidemocráticas apoiadas pelo presidente.”
Azevedo sempre foi contrário à ditadura militar, desde quando começou a cantar no Recife, interagindo com movimentos estudantis, até fazer quadrinhos críticos para jornais clandestinos. Mas diz que nunca militou por partidos.
Mesmo assim, foi preso duas vezes. Na primeira, em 1969, ficou enclausurado por 40 dias. “Levei choque, enfiaram coisa nas minhas unhas e deram muita porrada.” Na segunda vez, já nos anos 1970, a situação foi mais complicada.
“Fui preso com minha mulher na época, com os amigos dela, que estavam ligados [a movimentos organizados]. Mas até provar que não tinha nada a ver, era muito difícil.”
Segundo o cantor, a prisão aconteceu porque ele tinha distribuídos panfletos contrários à censura. Mas ele lembra de ter sido confundido com outra pessoa pelas características físicas –passaram dias o chamando de “Valério”.
Antes de começar a dar entrevistas sobre o assunto, Azevedo ficou anos sem detalhar as torturas. “Tinha certa vergonha. Fui muito humilhado.”
“Falavam ‘você vai cantar para mim’. Imagine, você encapuzado, nu, e eles ao redor, falando para cantar. Se não cantasse, levava porrada. Eu terminava cantando e, mesmo depois de cantar, eles continuavam. Era muito humilhante.”
Geraldo Azevedo lamenta a impossibilidade de reagir contra o governo nas ruas. Aos 75 anos, ele trabalha diariamente em suas músicas, prepara lives e aguarda a volta aos palcos. “Como em toda tempestade, espero que venha um momento de bonança logo.”
Cultura
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