Cultura
Terça-feira, 23 de julho de 2024

‘Alamut’ descreve a tropa de elite que inspirou ‘Assassin’s Creed’

Quando publicou o romance “Alamut” em 1938, o escritor esloveno Vladimir Bartol vinha pensando na ascensão do fascismo na Europa. Daí a epígrafe que escolheu para o livro: “Nada é verdadeiro, tudo é permitido”. Passado tanto tempo, arrepia que o mote ainda tenha força –particularmente em anos como estes, em que a desinformação tem moldado realidades políticas.
O livro chega ao Brasil pela editora Morro Branco, com tradução de Alexandre Boide. É um importante volume que por enquanto segue razoavelmente desconhecido, tanto aqui quanto no exterior. A série de videogame “Assassin’s Creed”, inspirada no livro, é ironicamente mais famosa do que ele.
Passado no século 11 e baseado em eventos reais, “Alamut” conta a história de Hassan ibn Sabbah, líder de uma seita ismailita no que é hoje o Irã. O ismailismo é um braço minoritário do xiismo, que por sua vez é um braço minoritário (mas expressivo) do islã. As divergências entre esses grupos são sutis –ismailitas acreditam que Ismail ibn Jafar deveria ter liderado os muçulmanos, em vez de Musa al-Kadhim–, mas não importam muito, no contexto deste romance.
O importante é a organização que Sabbah criou: a Ordem dos Assassinos, uma tropa de elite especializada em matar seus rivais políticos e religiosos. Foi aparentemente desse episódio que veio a palavra “assassinos”, usada em línguas como o português.
A etimologia do termo é um pouco nebulosa. Há quem diga que vem do termo “assassiyun”, aqueles que seguem os fundamentos da religião. Outros ligam a palavra “hashashin” ao haxixe, com base em relatos medievais de que os assassinos se drogavam antes de ir às missões. Seja como for, a ideia de treinar soldados para missões de assassinato acabou atrelada ao grupo.
No livro, Sabbah recruta e engana jovens promissores para que matem seus inimigos. Ele distorce e usa os preceitos dos ismailitas para radicalizá-los. Droga os guerreiros e faz com que acreditem que já têm acesso aos jardins do paraíso, ali mesmo em Alamut.
A obra é longa –576 páginas, na edição da Morro Branco– mas tem leitura rápida. É surpreendentemente fácil, dado o emaranhado de referências históricas, e Bartol tem um dedo habilidoso na hora de explicar quem são os ismailitas. Vai colocando a informação em diálogos, desemaranhando desavenças religiosas que não eram simples de entender nem mesmo quando aconteceram.
De maneira esquisita, “Alamut” tem um quê de “Harry Potter” e de “Duna”. Como a saga do bruxo, o livro começa com a descrição das diferentes aulas que os personagens têm com os professores na fortaleza. Como Frank Herbert faz em “Duna”, Bartol mergulha em termos e ideias da cultura árabe, persa e islâmica, mas sem deixar de se referir a questões do seu presente.
Bartol escreveu enquanto assistia à ascensão do fascismo. Por meio da história de Sabbah, ele trata do que lhe preocupava: o carisma e a distorção das informações para a manipulação política.
É preciso ler “Alamut” nas entrelinhas. O texto não deve ser usado como evidência de que o islã é uma religião retrógrada, fundamentalista. Em 1938 –antes da Revolução Iraniana de 1979 e dos ataques do 11 de Setembro de 2001–, essa não era a ideia de Bartol.
Para aproveitar a leitura é necessário, ainda, aceitar os estereótipos orientalistas que transbordam das páginas. Já nos primeiros capítulos o leitor encontra camelos, escravas, turbantes, cimitarras, eunucos, haréns, dança do ventre e menções às mil e uma noites –um compilado de todas as imagens surradas já usadas.
Como em todo trabalho de ficção, o autor pede que o público suspenda a sua descrença. Em outras palavras, que seja menos cricri e se envolva com o enredo.
A epígrafe é clara: “Nada é verdadeiro, tudo é permitido”. “Alamut” é um romance, e não um livro de história. Segue as suas próprias regras, e está tudo bem.

ALAMUT
Autor: Vladimir Bartol
Tradução: Alexandre Boide
Editora: Morro Branco.
Preço: R$ 74,90 (576 págs.); r$ 52,40 (ebook)
Avaliação: Muito bom

Fonte: FolhaPress/Diogo Bercito