DANIELLE BRANT E GUSTAVO URIBE – Firme na defesa de pautas de interesse do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), Carla Zambelli (PSL-SP) reforça a tropa de choque do Planalto no Congresso ao passo que coleciona atritos com colegas na Câmara e do Senado. Até mesmo integrantes do núcleo militar do governo já se queixaram da deputada.
Mesmo após a perda do posto de vice-líder na Câmara, ela assumiu a frente de um tema sensível para o bolsonarismo, o meio ambiente, em um estilo que usou para tentar defender o presidente na CPI da Covid no Senado.
Em setembro do ano passado, para aumentar o espaço e o prestígio de congressistas do centrão, Bolsonaro destituiu Zambelli e mais sete bolsonaristas da função de vice-líderes. A deputada, porém, seguiu fiel escudeira do presidente.
À Folha de S.Paulo, Zambelli afirmou que, mesmo diante de julgamentos negativos, irá tomar decisões que considera positivas para o país e para o governo. “Esse tipo de crítica não me fará mudar de ideia”, disse.
Em março, a deputada ganhou uma função de destaque na Câmara. Presidente da Comissão de Meio Ambiente, tem pautado projetos alinhados à política de Bolsonaro na área.
Um exemplo é o texto que permite a atuação de militares na fiscalização ambiental. De autoria do deputado Coronel Tadeu (PSL-SP), o projeto inclui Polícias Militares e Corpos de Bombeiros no Sisnama (Sistema Nacional do Meio Ambiente).
Na lei que trata de sanções penais, o deputado colocou os agentes de segurança na lista de autoridades competentes para lavrar autos de infração ambiental e instaurar processos administrativos.
O relator, o deputado Coronel Chrisóstomo (RO), também do PSL, deu parecer favorável ao texto. A proposta tem sido contida a duras penas pela oposição.
Segundo o deputado Zé Vitor (PL-MG), a ideia é enfrentar irregularidades ambientais. “Inclusive os estados e municípios têm um papel fundamental nessa fiscalização, não só o governo federal”, disse.
Na semana passada, Zambelli pôs em pauta outra proposta polêmica: o reconhecimento da vaquejada como atividade desportiva. O texto foi aprovado no colegiado, com maioria governista, e agora está na Comissão do Esporte.
“A vaquejada, talvez para nós não seja tão comum, mas o pessoal do Norte, Nordeste, onde é uma questão cultural, estava pedindo a regulamentação de uma PEC [Proposta de Emenda à Constituição] que foi aprovada há alguns anos. É uma demanda do setor”, disse Zé Vitor.
Em 2016, o STF (Supremo Tribunal Federal) declarou a prática inconstitucional ao julgar uma lei do Ceará. Nas competições, peões a cavalo perseguem um boi e tentam derrubá-lo, puxando o animal pelo rabo.
No ano seguinte, o Congresso reagiu e aprovou uma emenda constitucional para tirar os entraves à atividade. O texto prevê que não são cruéis práticas esportivas com animais consideradas manifestações culturais.
Defensor das propostas encampadas por Zambelli, Zé Vitor disse ainda não ter percebido qualquer manobra da colega para conduzir a pauta de forma autoritária. A avaliação, porém, é contestada por membros do colegiado, como o deputado Camilo Capiberibe (PSB-AP).
“Desde que a presidente tomou posse, se inverteu completamente a prioridade da comissão, que é tratar de desenvolvimento sustentável e do meio ambiente”, afirmou. “Debater a inclusão da vaquejada como esporte não é prioridade no momento que a gente está vivendo.”
Capiberibe disse que Zambelli não tem interesse em debater os problemas ambientais. “Ela capturou a pauta da comissão para executar a política do [ministro Ricardo] Salles.”
Segundo ele, a deputada conseguiu postergar o comparecimento do ministro do Meio Ambiente à comissão para depois da Cúpula de Líderes sobre Clima, realizada no dia 22. Salles deve falar ao colegiado nesta segunda-feira (3) sobre medidas contra o desmatamento e cortes no orçamento.
“É a tropa de choque que está lá [na comissão]. Você vê a presença do governo ali e uma ação coordenada”, disse Capiberibe.
O vice-líder do Cidadania, Daniel Coelho (PE), afirmou ser preocupante o que aliados de Bolsonaro fizeram no colegiado. “Temos agora na comissão o terraplanismo ambiental.”
Coelho é o autor do pedido de CPI na Câmara para investigar a conduta de Salles em episódio de apreensão de madeira no Pará, no início de abril. Zambelli gravou um vídeo ao lado do ministro durante visita ao local. “Infelizmente, madeira perdida”, disse.
Mas não é só na Câmara que Zambelli tenta proteger o governo. Diante da possibilidade de Renan Calheiros (MDB-AL) ser escolhido relator da CPI da Covid, ela entrou com uma ação popular pedindo que o senador fosse impedido.
A medida provocou irritação na Casa vizinha. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), afirmou que a escolha do relator cabia ao Legislativo. Disse ainda que não admitia a interferência de um juiz.
A decisão, além de ter sido ignorada pelo Senado, foi derrubada pouco depois pelo TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), em Brasília.
Para assessores presidenciais, o impedimento de Renan assumir a relatoria era claramente ilegal e teve como único efeito indispor ainda mais o senador com Bolsonaro.
A avaliação de integrantes da cúpula militar é que Zambelli se precipitou ao ter ingressado com a medida judicial. Para eles, a deputada deveria ter entrado em contato antes com o Planalto para consultar se seria a melhor estratégia política.
Na tentativa de apaziguar os ânimos do relator, o presidente já tinha procurado o ex-presidente José Sarney (MDB) e o governador de Alagoas, Renan Filho (MDB-AL). O esforço de aproximação, porém, não obteve êxito.
Com a instalção da CPI, Renan foi indicado relator. Agora, Bolsonaro aposta no presidente nacional do PP, Ciro Nogueira (PI), integrante do colegiado e amigo do alagoano, para minimizar o mal-estar.
À Folha, a deputada afirmou que a decisão de ingressar com pedido para que Renan não relatasse a CPI da Covid foi dela, sem interferência do Planalto. “Eu não sei por que a iniciativa incomodou alguém. Eu fiz porque achei correto e não tive incentivo algum”, disse.
Sobre o projeto de reconhecimento da vaquejada como atividade desportiva, Zambelli afirmou que essa é uma demanda antiga de nordestinos e nortistas, que vinham cobrando o Legislativo.
Ela disse ainda que a proposta de atuação de policiais militares na fiscalização ambiental não significa um processo de militarização, uma vez que Ibama e ICMBio continuarão em operação.
“Não estamos militarizando o Ibama ou o ICMBio. Nós estamos colocando mais forças em torno da fiscalização contra o desmatamento ilegal. A polícia não é feita para reprimir crimes? Então por que ela não pode reprimir o crime ambiental?”, questionou.
Fonte: FolhaPress