Economia
Terça-feira, 23 de julho de 2024

Fugir das estatais ou dobrar a aposta? Após eleições, gestores avaliam se ações ainda “aguentam desaforo”

Com vitória de Lula, papéis corrigem preços na bolsa; para alguns gestores, preços baixos compensam, mas há quem defenda que risco é grande demais

A definição do pleito eleitoral no Brasil, com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no último domingo (30), gerou forte perda nas ações de estatais na Bolsa nesta segunda-feira (31).

Por volta das 15h20 (horário de Brasília), os papéis Petrobras (PETR3);(PETR4) caíam entre 8% e 9%, enquanto as ações do Banco do Brasil (BBAS3) contraíam perto de 5%.

O forte recuo de hoje nos preços de papéis de estatais é fruto de uma alteração nas expectativas, na avaliação de gestores ouvidos pelo InfoMoney. Eles explicam que boa parcela do mercado acreditava que poderia haver uma reviravolta no segundo turno das eleições e que o atual presidente Jair Bolsonaro (PL) tinha chance de se reeleger. Com a vitória de Lula, é natural que haja uma correção no pregão desta segunda-feira, afirmam os especialistas.

O cenário internacional mais conturbado com a perspectiva de diminuição da atividade econômica na China também pesa negativamente sobre os papéis, já que problemas no gigante asiático podem reverberar no Brasil, detalham alguns profissionais.

A despeito da forte queda vista hoje, os gestores foram unânimes em dizer que as ações de estatais estão “baratas”. Por outro lado, não houve consenso sobre a manutenção ou não das ações de BB e Petrobras, as principais citadas pelas casas, nas carteiras dos próximos meses.

Levantamento feito pelo TradeMap a pedido do InfoMoney mostrou que os fundos de investimentos estavam mais alocados em papéis da Petrobras, com um volume financeiro investido de R$ 13,9 bilhões. O dado leva em conta posições em papéis ordinários e preferenciais da empresa. Os valores são referentes a carteiras disponíveis em maio de 2022, porque os fundos podem omitir ativos das carteiras por três meses.

Com o olhar mais positivo para os papéis, há quem avalie que os múltiplos oferecidos pelas empresas são capazes de reforçar a manutenção das ações na carteira, ainda que a gestão de Lula tenha se mostrado mais favorável ao aumento da presença do Estado em companhias estatais.

É o caso de Marcos Peixoto, gestor da XP Asset. Segundo ele, ações de instituições como Banco do Brasil e a Petrobras estão negociando a múltiplos muito atrativos – os menores da história.

Para Peixoto, uma eventual queda mais expressiva de ambos os papéis pode abrir inclusive, oportunidades de compra, conforme destacou em live do InfoMoney nesta segunda-feira (31). O profissional possui posição nas duas ações.

Na avaliação do gestor é impossível ignorar os fundamentos por trás das companhias. No caso do Banco do Brasil, por exemplo, o múltiplo preço/lucro – que representa o número de anos necessários para se obter o valor pago pela ação por intermédio dos lucros distribuídos – está em 3,8 vezes, segundo os cálculos da casa.

“É o menor múltiplo que o BB já negociou na história”, diz. “Para voltar para a média histórica que o banco negociou nos anos em que o PT esteve no poder, [o papel] teria que subir 30%”, completa Peixoto.

Já a Petrobras está com um múltiplo EV/Ebitda – calculado pela soma do valor de mercado da empresa pelo saldo do endividamento líquido da companhia – de 2,3 vezes, também menor múltiplo que ela já negociou, nas contas da XP Asset.

O profissional chama atenção também para os dividendos da petroleira, que devem seguir fortes. A casa projeta mais 20% de dividendo com a administração atual e há possibilidade de que a companhia entregue um dividendo de 30% no ano que vem.

Mesmo se houver alguma alteração em relação ao que a empresa oferece agora e o percentual de dividendos cair para 10% em 2023, por exemplo, o gestor da XP destaca que será um dos maiores proventos pagos por petrolíferas na comparação com concorrentes internacionais, como Shell e Exxon Mobil, que oferecem cerca de 5%.

Atento à possibilidade de que os preços oferecidos pela Petrobras ainda sejam capazes de “aguentar desaforo”, uma reconhecida gestora de fundos também afirmou que vai manter as ações que possui em Petrobras, única estatal presente hoje na carteira.

O gestor, que preferiu não se identificar, disse que as ações estão baratas e não descartou a possibilidade de incrementar a alocação. “Podemos aumentar a posição a depender se a Petrobras anunciar que irá manter a gestão atual e se o governo detalhar como deve usar a petroleira, se não vai ampliar refinarias, entre outros”, acrescentou.

Embora não haja uma definição, apuração do Broadcast trouxe hoje que o senador Jean-Paul Prates (PT-RN) era um dos mais cotados para assumir a presidência da Petrobras no ano que vem. Segundo informações da agência, o objetivo é fazer com que a petroleira assuma um papel de liderança na transição energética.

Para neutralizar essa posição que é considerada de maior risco pela casa, a gestora montou também uma alocação em que aposta na alta do dólar contra o real. “Vamos aguardar para ver qual será o grau de interferência do próximo governo de Lula, se grande ou pequeno. De qualquer forma, montamos essa proteção”, resume a fonte.

Já ao comentar sobre Banco do Brasil, a gestora enxerga os papéis do banco com maior cautela porque eles podem ser mais sensíveis ao novo governo. Apesar disso, a  casa não nega que as ações também estão “baratas e aguentam desaforo”.

Com raras exceções, a casa está mais reticente com ações de empresas que possuem forte participação do governo na estrutura societária. “Em geral, as estatais ficam pior agora com a vitória de Lula, já que Bolsonaro estava vindo numa direção de privatizações”, pondera. “Agora, a expectativa é que um pedaço da alta que estava por vir não ocorra mais. Mesmo assim, os preços estão bons e justificam ficar comprado”, observa o profissional.

Olhar para os ministérios

Enquanto alguns gestores mantiveram ações de estatais na carteira, outros afirmaram que os riscos são maiores do que o potencial de ganho e zeraram posição em alguns papéis, caso da 3R Investimentos.

Tomás Awad, sócio-fundador da 3R, conta que encerrou a posição que detinha em Petrobras na semana passada, e que não pensa em voltar tão cedo a ter exposição ao papel. “Petrobras depende mais de quem será o novo ministro de Minas e Energia. Só voltaríamos se fosse alguém mais pró-mercado, mas acho muito difícil”, diz. “É bem mais difícil do que achar alguém [mais pragmático] para o Ministério da Economia”.

Além de ter zerado posições em Petrobras, a casa não possui alocação em instituições financeiras estatais como o Banco do Brasil. Em sua justificativa, Awad diz que o próximo governo terá um controle menor sobre o Congresso e menos capacidade para aprovar medidas, diante do Orçamento impositivo.

Logo, Lula terá que usar de maneira mais “agressiva” os instrumentos que possui na mão – ou seja, as estatais, já que sobre o resto ele terá menos controle, avalia Awad.

Ao olhar para a Bolsa, o especialista acredita que não há oportunidade nova após o segundo turno das eleições. As maiores apostas da casa hoje estão em ações mais ligadas ao consumo discricionário – aquelas consideradas não essenciais. Entre os nomes, Awad cita o caso de Vulcabras (VULC3) e Hypera (HYPE3), por exemplo.

“Nosso cenário é de um país que vai ficar mais pobre, com juro médio mais alto e com uma inflação que vai demorar mais para cair”, resume o gestor da 3R.

Perspectivas para a Bolsa

Ao ser questionado sobre a leve alta registrada pelo Ibovespa na tarde desta segunda-feira após abrir em queda, Awad diz que a sensação é de que o mercado “quer continuar a sonhar”. Na visão dele, a expectativa de agentes financeiros é de que a equipe econômica anunciada por Lula traga um nome mais pragmático, como o economista Armínio Fraga, por exemplo.

O especialista também chama atenção para o fluxo de capital vindo de estrangeiros, que pode estar pesando positivamente na sessão. Segundo ele, a avaliação do investidor externo é que o Brasil será “obrigado a fazer o dever de casa na parte fiscal”.

“De sexta para hoje, ninguém falou nada para desmentir o sonho de um governo pragmático”, diz. “Não tivemos nenhuma informação adicional. O Lula fez um discurso político ontem (30). Vamos ter que esperar para ver a realidade”.

O primeiro passo, na visão do gestor da 3R, é que o presidente eleito apresente um nome forte para o Ministério da Economia. Na sequência, o novo ministro deve ir atrás da equipe econômica e depois, o mercado deve olhar para o detalhamento que essa equipe trará para arrumar o lado fiscal.

Fonte: InfoMoney