
INATURA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O movimento “demita um extremista” que ganhou força nas redes sociais após o assassinato do ativista conservador Charlie Kirk nos Estados Unidos pode ter menos efeito no Brasil do que o esperado pelos seus defensores.
Uma pesquisa de 2022 que será publicada em uma das principais revistas acadêmicas de economia investigou os efeitos da política no mercado de trabalho privado do Brasil e concluiu que empresários brasileiros tendem a contratar, promover e pagar salários mais altos a funcionários alinhados politicamente.
Nos EUA, empresas chegaram a demitir profissionais que fizeram postagens consideradas ofensivas sobre a morte de Kirk, apoiador de Donald Trump que tinha a esquerda como um de seus principais alvos de crítica. No Brasil, uma campanha semelhante, iniciada no X (ex-Twitter) com a participação do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), passou a ser investigada pelo MPT (Ministério Público do Trabalho).
Embora o caso tenha reacendido o debate sobre discriminação política no ambiente de trabalho, a questão é discutida há décadas por economistas.
No estudo intitulado “Politics at Work” (Política no Trabalho) economistas da Universidade de Chicago, da FGV (Fundação Getulio Vargas) e da Northwestern analisaram dados de 87 milhões de trabalhadores e 7,5 milhões de empresas entre 2002 e 2019.
Segundo a pesquisa, um trabalhador filiado ao mesmo partido do patrão tem de 48% a 72% mais chances de ser empregado do que por alguém de outra legenda.
Uma vez contratados, esses profissionais permanecem mais tempo na empresa, sobem mais na hierarquia e recebem salários maiores: o prêmio salarial chega a 3,8% para gestores, 3,4% para cargos administrativos e 1,5% para operários, em comparação com colegas sem vínculo partidário.
A pesquisa parte do pressuposto de que empresas privadas tenderiam a ser menos influenciadas por fatores políticos do que instituições públicas e empresas estatais, cujos quadros tradicionalmente se alteram conforme a mudança de governo.
A expectativa era de que a lógica de mercado pudesse servir de barreira contra esse tipo de viés. Os resultados, no entanto, mostram que a política também pesa no setor privado, e ainda mais do que critérios como gênero e raça na definição de contratações, promoções e salários.
Para os autores, um dos efeitos é que as chamadas câmaras de eco das redes sociais -quando uma visão de mundo é reforçada pela proximidade de pessoas com visões semelhantes- também podem se manifestar no espaço de trabalho.
“Nossos resultados levantam a possibilidade de que donos de empresas estejam dispostos a abrir mão de crescimento para manter uma força de trabalho ideologicamente alinhada”, afirmam os autores.
O artigo de coautoria do pesquisador da FGV Valdemar Rodrigues de Pinho Neto também aponta como evidência a estimativa de que empregados de partidos rivais aos do empresário sofrem penalidades salariais e menores chances de promoção.
O fenômeno é descrito pelos autores como “assortative matching”, ou “acasalamento preferencial”, expressão usada na economia do trabalho para a tendência de indivíduos se associarem a semelhantes.
A pesquisa, aceita para publicação na revista American Economic Review, sugere que a discriminação política ocorre principalmente por preferência dos empresários, e não por troca de favores com partidos ou políticos.
A base de dados do artigo combinou informações da Rais (Relação de Anual de Informações Sociais), da Receita Federal, do CNE (Cadastro Nacional de Empresas) e registros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para elaborar um painel relacionando empregado, empresa, dono e partido ao longo dos anos.
As empresas brasileiras são proibidas por lei de demitir funcionário por expressar opinião política nas redes sociais ou fora delas, desde que não haja incitação a crime ou violência.
A prática, prevista na lei 9.029, de 1995, é conhecida como dispensa discriminatória e pode levar a condenações na Justiça do Trabalho, como reintegração do profissional; multa no valor de duas vezes o salário pelo período em que ele ficar afastado, mais juros e correção monetária; e indenização por dano moral.
O MPT afirma que, desde 2022, intensificou a atuação contra assédio eleitoral, com o crescimento de denúncias sobre esse tipo de comportamento por parte de empregadores, e, desde então, tem estado atento a questões relacionadas à política no ambiente de trabalho.
Fonte: FolhaPress