
A maioria dos presidentes mais recentes da Argentina seguiu um roteiro básico: seus mandatos foram da épica à tragédia. Uns mais, outros menos. Carlos Saúl Menem (1930-2021) talvez seja o que melhor conferiu verdade a essa máxima.
Em “Menem” (Amazon Prime), o diretor Ariel Winogard faz uma aposta arriscada: ele trata a década de governo do dirigente peronista, de filiação liberal, com pitadas de comédia. Menem foi presidente de 1989 a 1999.
É difícil rir de um governante que causou a quebradeira de diversas indústrias nacionais, inventou um plano de conversibilidade que levou a Argentina a um “estallido social” e a uma crise econômica, inseriu figuras corruptas no governo e, ao que muitas investigações indicam, encobriu os verdadeiros responsáveis pelos atentados contra a embaixada de Israel (1992) e a Amia (1994).
Além disso, ele é suspeito de entorpecer a investigação de vários assassinatos algo esquisitos, como o de uma secretária que sabia demais e que caiu do alto de um edifício em Buenos Aires ou a morte de seu próprio filho num suposto acidente de helicóptero.
Mas vamos aos acertos. A história, contada em seis episódios, surge diante dos olhos de Olegario Salas, um personagem fictício que se transforma, desde os tempos de Menem iniciante na política, em fotógrafo oficial do presidente -vivido pelo experiente Juan Minujín.
No começo, Salas é um mero observador do fenômeno de um líder ultracarismático que, de um rincão do país, vence as eleições presidenciais. Salas se transforma num crítico calado diante das coisas que vê acontecendo na Casa Rosada. Mas é seu filho, jornalista, quem abre os olhos do pai com reportagens em que mostra as movimentações de lavagem de dinheiro e corrupção durante a gestão.
Menem é vivido pelo experiente Leonardo Sbaraglia (“Relatos Selvagens”), que se destaca na interpretação e conta com excelente trabalho de maquiagem.
Até o penúltimo episódio, o tom de comédia prevalece. Já o último, que sucede os dias seguintes ao atentado à Amia (em que dezenas de pessoas morreram), a série impõe o tom de thriller político e fica mais interessante.
A Argentina consumista, na qual um peso valia um dólar -medida que explica por que muitos argentinos o apoiaram de forma incondicional- é mostrada em todas as suas cores. Menem, porém, mostra-se enciumado de Domingo Cavallo, seu ministro da Economia que inventou o plano de conversibilidade. Mas o “milagre” não durou muito tempo. A artificialidade da medida se mostrou, então, muito difícil de driblar.
A série não mostra a tragédia que seu governo causou: a crise de 2001, a prisão de Menem e seu patético apoio a Cristina Kirchner (sim, ambos peronistas, mas de vertentes muito distintas), além de sua morte, tratada na época com discrição e algo de desprezo.
Curioso é que o atual presidente, Javier Milei, um aberto antiperonista, venha fazendo várias homenagens a Menem. Por outro lado, especialistas têm mostrado semelhanças entre ambas épocas: a manutenção da cotação do dólar e a ênfase nas privatizações, além do alinhamento com os EUA.
Terá Milei um destino parecido ao de seu ídolo? Não sabemos. Por ora, vivemos o período da épica do seu governo. Se será o prenúncio da tragédia, como ocorreu com Menem, estamos por saber. A série deixa essa provocação no ar.
Menem: El Show del Presidente
Direção: Ariel WinogardDuração 6 episódios (cerca de 250 minutos)
Onde assistir: Amazon Prime Video
Avaliação: Muito Bom
Fonte: FolhaPress