Economia
Quinta-feira, 6 de março de 2025

Corte de supersalários ‘moralizaria serviço público’ e geraria economia de R$ 3 bi, diz Felipe Salto

Felipe Salto, economista-chefe da Warren e ex-secretário da Fazenda de São Paulo, estima que medidas que contenham o crescimento dos supersalários ou cortem as verbas indenizatórias – os conhecidos penduricalhos – têm potencial de gerar uma economia na casa dos R$ 3 bilhões por ano.

Apesar de não considerar que esse tipo de medida possa ter um impacto relevante nas contas públicas de imediato, ele afirma que um corte nos supersalários teria um impacto “moralizador”, servindo de base para outras decisões necessárias para um maior controle das contas públicas.

“Não é a principal medida do ponto de vista fiscal, mas ela moralizaria o serviço público e legitimaria outras ações. Como vou mexer na regra do salário mínimo se tenho essa excrecência desses salários exorbitantes?”, comenta.

“Eles [servidores públicos com supersalários] dizem que não é salário, são verbas indenizatórias, que são remunerações determinadas pela própria Justiça e tudo mais. Então é preciso fazer isso para abrir caminho para novas medidas do ponto de vista fiscal”, completa.

A economia seria de R$ 3 bilhões em uma eventual medida mais abrangente, contemplando ‘todos e todas as carreiras’.

Todavia, Salto frisa que um corte nos supersalários deveria, idealmente, ser parte de uma reforma administrativa mais ampla e que a atratividade do serviço público deve ser mantida, mas com remunerações que caibam no orçamento e sejam sustentáveis fiscalmente.

O assunto ganhou maior relevância após o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, encaminhar ao parlamento um role de prioridades da pasta, incluindo uma limitação dos chamados supersalários. Concretamente, as medidas nesse sentido ainda não ganharam corpo, dado que a proposta ainda não foi desenhada.

“É o início da reforma administrativa. Vamos retomar o debate dos supersalários com o Congresso, isso é uma coisa que nós tentamos fazer no ano passado”, disse.

Arcabouço fiscal é uma boa regra, diz Felipe Salto

Sobre a regra em voga para o controle das contas do governo, o arcabouço fiscal, Salto defende que é ‘uma boa regra’, citando que debateu publicamente o tema com outros economistas que adotavam uma postura mais crítica, entre os quais Marcos Lisboa e Marcos Mendes.

“Mostramos que, se determinadas medidas fosse tomadas, como por exemplo a premissa que se adota para correção dos salários dos servidores, a premissa para o salário mínimo, os precatórios que vão ter que ser todos pagos em 2027…..tudo isso faz muita diferença na projeção”, lembra.

“O que eles [economistas] argumentavam é que sob determinadas premissas, a regra não iria durar, e nós o contrário. O problema não é a regra fiscal. Essa questão da sustentabilidade da regra o teto de gastos também tinha, porque ele inclusive era bem mais duro do que o arcabouço. O teto mantinha crescimento pela inflação, enquanto o arcabouço permite um crescimento de até 2,5%. De 0,6% a 2,5%, então nesse aspecto é mais flexível. Se você diz que o arcabouço não é sustentável então o teto é pior ainda”, afirma.

A tese é de que o problema não é a regra em si, mas o compromisso dos governo para com o reajuste fiscal. Na visão de Salto, a flexibilidade do novo arcabouço fiscal é um dos pontos positivos.

“Não adianta formular a melhor regra do mundo e não ter do outro lado os governos tomando as medidas para controlar despesas. Se não tiver isso, aí entra governo e sai governo você muda a regra fiscal e não adianta nada”, diz.

O economista defende a manutenção do arcabouço, mas comenta que não vê as críticas à postura do governo acerca do fiscal como infundadas.

“Não é o caso de discutir novamente a regra fiscal. [Devemos] manter essa que está aí, mas cumpra e faça o ajuste fiscal. Nesse aspecto o mercado tem razão de criticar o governo, e o governo devia ter humildade de reconhecer. Claro que o mercado exagera, porque mesmo quando o governo faz coisas boas, como fez no pacote fiscal, ele vem e fala que é ruim, porque não analisa, tem que dar resposta rápida, porque os clientes querem saber, seja lá qual o motivo.”

O Brasil gasta muito ou gasta mal?

Indagado sobre o patamar e a qualidade dos gastos, Salto enxerga que o Brasil ‘gasta um pouco mal e um pouco demasiado’.

“Quando olhamos a composição do orçamento, se a gente olhar as despesas que são obrigatórias, como a folha salarial dos servidores, previdência social, abono salarial, bolsa família….sobra uma fatia muito pequena, de algo como 6%, são as chamadas despesas discricionárias, ou não obrigatórias. Mesmo dentro dos 6% tem muita coisa que não se pode cortar, porque precisa manter a luz do Ministério acesa”, explica.

A visão é de que alguns gastos implementados recentemente, como as emendas parlamentares, são ruins e prejudicam ainda mais a gestão orçamentária.

“Dino [ministro do STF] corretamente entrou nessa questão e isso ajudou a colocar um pouco de ordem no coreto. As emendas são gastos pulverizados e em geral de qualidade ruim, acabaram ocupando mais um pedaço desse orçamento que seria livre. O resultado disso é que o investimento público está caindo. O governo, nesse aspecto, faliu. Não consegue ter mais dinheiro para fazer grandes projetos de infraestrutura, projetos estruturantes.”

Contas têm déficit mesmo com arrecadação crescendo

Por fim, o economista-chefe da Warren defende uma modernização nas regras que versam sobre o orçamento e um planejamento mais de longo prazo das contas públicas.

A principal lei que rege o orçamento no Brasil – a Lei nº 4.320 – foi sancionada em meados de março de 1964, ainda no governo de João Goulart. Apesar da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000), que trouxe regras mais rígidas para a gestão fiscal, ser promulgada em 2000, Salto ainda destaca que é um regramento que considera claramente obsoleto.

“O governo perdeu a capacidade de se planejar, e ‘não tem vento bom para nau sem rumo’. A composição do gasto é ruim e o tamanho do gasto também preocupa, tanto preocupa que estamos gerando déficits mesmo com a arrecadação crescendo bastante.”

Na visão do especialista, o planejamento orçamentário tem sido feito no ‘piloto automático’, com os legisladores e o governo praticamente copiando o orçamento do ano anterior e adicionando alguns poucos investimentos e corrigindo os valores pela inflação.

Fonte: IstoéDinheiro