Economia
Terça-feira, 5 de novembro de 2024

COE não é golpe, mas investimento complexo que exige apetite para risco, dizem especialistas

Os COEs (Certificado de Operações Estruturadas) ganharam visibilidade nos últimos meses em meio a onda de investidores que acionaram a Justiça contra suas corretoras após saírem no prejuízo. A aplicação, que geralmente combina títulos de renda fixa com derivativos, é considerada complexa, com travas que impedem a retirada do dinheiro até a data de vencimento.
Especialistas em finanças consultados pela Folha dizem que, apesar dos casos negativos recentes, os certificados não podem ser considerados “golpe”, mas exigem apetite para risco e algum conhecimento sobre o mercado financeiro.
Segundo Alexandre Cabral, professor de finanças da Saint Paul Escola de Negócios, COE é um produto de emissão bancária, que segue a mesma base de legislação dos CDBs (Certificado de Depósito Bancário), com a diferença de não possuir um fundo garantidor de crédito. Apenas bancos são autorizados a fazer a emissão, embora corretoras possam vendê-los.
Por ser composto por uma cesta de produtos, a grande atratividade do COE, segundo Cabral, está na possibilidade de montar cenários. Alguns embutem a promessa de ter rentabilidade com variação cambial, outros com alta da Bolsa americana, entre outras estratégias complexas de renda variável que podem trazer ganhos altos.
Um dos principais apelos de venda usado por bancos e assessorias de investimento é que o valor principal alocado fica garantido até o vencimento. Ou seja, se um cliente comprar um COE de R$ 200 mil, no pior do casos ele receberá esse mesmo valor -sem correção pela inflação- no final do contrato, que costuma ter prazo de três ou cinco anos.
“Não é um investimento horroroso, mas está muito longe de ser o primeiro a ser feito”, diz Cabral. “Eu enxergo o COE para pessoas que estão começando a querer sair da renda fixa pura e dar um ‘plus’ no seu investimento, afirma Cabral.
A principal dica é ficar atento sobre qual promessa está embutida na operação. Segundo ele, alguns cenários são tão ruins que quem tem mais chance de ganhar é o emissor, não o cliente.
Para o especialista, um dos principais problemas do COE é a dificuldade de desistir do contrato no meio do caminho. “Existe resgate de COE? Sim, mas não é algo padrão e, quando existe, o spread é muito ruim para o cliente”, afirma.
Para quem quer investir, ele indica colocar no máximo 10% da carteira de investimentos.
Myrian Lund, planejadora financeira e professora de finanças da FGV (Fundação Getulio Vargas) diz ter “horror a COE” e pede para seus clientes fugirem disso.
Segundo ela, trata-se de uma aposta, em que o investidor pode ganhar ou não. Para a operação dar certo, é necessário acontecer a promessa embutida no contrato na data do vencimento.
Lund cita um estudo feito por pesquisadores da FGV em 2020, que mostra que nove em cada dez COEs trazem retorno abaixo do que poderia ser obtido com o Tesouro Direto, por exemplo.
Como o capital investido está garantido, a especialista diz que o COE ganha “apelo de venda”, já que as pessoas têm aversão ao risco. No entanto, como é um produto de vencimento longo, considerando uma inflação média de 4% ao ano, o cliente já corre risco de entrar perdendo.
“Fica sendo uma operação muito similar a um título de capitalização”, diz. “Como planejadora financeira, não gosto nem recomendo COE, mas há quem goste pela possibilidade de ganho. Nesse caso, recomendo colocar um pequeno percentual do patrimônio, no máximo 5%”, acrescenta.
Na avaliação de Bruno Mori, economista e gestor de investimentos, esses certificados têm um prazo de vencimento muito longo e não são tão atrativos pela falta de liquidez durante o período.
“Os assessores [de investimento] têm interesse em comercializar porque conseguem boas comissões na comercialização do produto. Então, não necessariamente a recomendação desse investimento está de acordo com o perfil de cada investidor”, afirma.
Mori destaca que COE não é um investimento que pode ser caracterizado como bom ou ruim logo de cara. Segundo ele, o básico da cartilha de como investir de forma saudável é que a pessoa, antes de procurar opções mais arriscadas, acumule uma reserva equivalente a um ano de renda.
Por ser um produto complexo, com ganhos atrelados a cenários muito específicos, o economista não recomenda a operação para todos os investidores e diz que, se o objetivo é arriscar mais, faz mais sentido considerar outras alternativas.
“Os prazos e o que está por trás do produto não são coisas triviais. O perfil de quem investe em COE é quem já tem alguma experiência e uma reserva de dinheiro garantida”, afirma.
PEGAR EMPRÉSTIMO PARA FAZER COE NÃO É RECOMENDADO
No entanto, ainda que o COE seja adequado ao perfil de risco e o investidor destine apenas uma fração de seus recursos para a operação, nenhum dos especialistas recomenda tomar crédito para adquirir os certificados.
Em boa parte dos casos de COE que estão na Justiça, a operação foi feita dentro de um “combo” que envolvia um empréstimo –seja para alavancar o investimento ou permitir que a pessoa tivesse dinheiro disponível (liquidez). A lógica é que os rendimentos pagariam com sobra os juros do empréstimo.
Cabral resume a estratégia como “loucura por completo”. “Ninguém tem que pegar dinheiro emprestado para investir, a não ser investir no mundo real, comprar maquinário, alugar salas…”, diz.
Mori concorda. Para ele, tomar crédito deve ser opção para situações muito específicas, como adquirir uma casa, financiar um carro, e outros sonhos de longo prazo ou conquistas pessoais.
“Tomar crédito para investir é algo muito fora da realidade de alguém que trabalha com investimentos de forma responsável”, diz. “Mesmo para quem adora risco, não é recomendado fazer isso”, acrescenta.
O que é COE?
Sigla para Certificado de Operações Estruturadas, o COE é uma aplicação de emissão bancária que geralmente combina títulos de renda fixa com derivativos
Como funciona?
Por ser composto por uma cesta de produtos, os COEs permitem aos investidores montar cenários. Alguns embutem a promessa de ter rentabilidade com variação cambial, outros com alta da Bolsa americana, entre outras estratégias de renda variável que podem trazer ganhos altos
Para quem é indicado?
Segundo especialistas em finanças, o COE é um produto complexo e indicado para investidores com apetite para risco e algum grau de conhecimento no mercado financeiro
O que é preciso saber?
O COE tem travas que impedem a retirada do dinheiro até a data de vencimento, geralmente três ou cinco anos. O produto também não possui fundo garantidor de crédito, como ocorre com os CDBs (Certificado de Depósito Bancário)
O capital investido está protegido?
Um dos principais apelos de venda usado por bancos e corretoras é que o valor principal alocado fica garantido até o vencimento. Ou seja, no pior do casos, o cliente receberá o mesmo valor que investiu –sem correção pela inflação
Quanto investir em COE?
Para quem quer colocar recursos em COE, especialistas indicam aportar entre 5% e 10% do valor disponível para investimentos
Vale a pena pegar empréstimo para alavancar o COE?
Especialistas consultados pela Folha não recomendam tomar crédito para fazer nenhum tipo de investimento, apenas para situações específicas como comprar um carro, uma casa ou fazer uma viagem dos sonhos.

Fonte: FolhaPress