No Mundo
Segunda-feira, 1 de julho de 2024

Para ser alemão é preciso reconhecer a existência de Israel?

Corre na imprensa internacional e redes sociais que nova lei alemã exigiria de candidatos à naturalização declaração reconhecendo direito à existência de Israel. Afirmativa partiu do “Financial Times” – e não procede.A nova Lei de Nacionalidade (Staatsangehörigkeitsgesetz) entrou em vigor na Alemanha na semana passada. Segundo Berlim, a intenção é acelerar o processo de naturalização, mas ao mesmo tempo subordiná-lo a requisitos mais rigorosos. Entre estes, consta a assim chamada “declaração de lealdade”: o comprometimento expresso com a ordem liberal-democrática da República Federal da Alemanha (RFA).

O jornal britânico Financial Times (FT) abordou justamente esse ponto, sob a manchete “Novos cidadãos alemães têm que reconhecer direito de Israel à existência”. Diversos outros veículos propagaram essa interpretação, entre eles a emissora americana CNN, o diário israelense Haaretz e a agência chinesa CGTN Europe.

A afirmação foi também tematizada nas redes sociais e discutida, em parte com veemência, envolvendo até insultos ao governo alemão. Um usuário definiu a ideia como uma “humilhação”, sobretudo os para imigrantes palestinos que desejem assumir a cidadania alemã.

Como o FT chegou a essa tese?

O Financial Times fundamenta sua afirmativa com duas mudanças futuras no processo de naturalização. Por um lado, os temas do antissemitismo, direito de Israel à existência e vida judaica foram incluídos na lista das mais de 300 perguntas previstas para o teste de cidadania.

Por outro, o artigo se refere ao complemento à declaração de lealdade. Agora a lei exige também um comprometimento “com a responsabilidade histórica específica da Alemanha pelo regime nacional-socialista de injustiça e suas consequências, em especial com a proteção da vida judaica”.

Qual é a meta do teste de naturalização?

O teste de naturalização a que o FT se refere, de múltipla escolha, aborda conhecimentos sobre a história da Alemanha, as normas sociais e a Lei Fundamental (Constituição), mas não inclui perguntas sobre opiniões pessoais ou posturas políticas.

Entre as novas questões está: “Que ação em relação ao Estado de Israel é proibida na Alemanha?” A resposta certa é “conclamação pública à aniquilação de Israel”; entre as erradas está, por exemplo, “criticar publicamente a política de Israel”.

Que comprometimento é pré-condição para a concessão da cidadania?

Desde 27 de junho de 2024, como requisito adicional para a obtenção do passaporte alemão, o Parágrafo 10º da Lei de Nacionalidade exige apenas que o estrangeiro “se comprometa com a responsabilidade histórica específica da Alemanha pelo regime nacional-socialista de injustiça e suas consequências, em especial pela proteção da vida judaica, assim como com a coexistência dos povos e a interdição do travamento de uma guerra de agressão”.

Uma exceção é o estado da Saxônia-Anhalt, onde os candidatos à naturalização de fato devem reconhecer concretamente o direito de Israel à existência.

A nova cláusula requer implicitamente o comprometimento com o direito de existência de Israel?

O questionamento do direito de existência de Israel, por si, não seria um critério de exclusão. Como explica o Ministério do Interior, nesse caso “as autoridades de cidadania podem arguir, no processo de naturalização, se tais declarações partem de uma postura antissemita”.

Um posicionamento racista ou antissemita, por sua vez, preclui naturalizar-se alemão. Contudo esse não é um quesito novo, pois tal posicionamento contrariaria a Lei Fundamental e, desse modo, a atual Lei de Naturalização.

Um indício de antissemitismo seria se a justificativa para o questionamento for que “a existência do Estado de Israel é um empreendimento racista”, como formula a Aliança Internacional em Memória do Holocausto (IHRA), cuja definição de antissemitismo o governo alemão toma como base.

Quem decide se um termo de compromisso é válido?

A princípio, cabe ao funcionário encarregado da solicitação de naturalização julgar se a declaração de lealdade submetida é válida – ou seja, se ela é credível ou se se pode eliminar qualquer dúvida a respeito de modo plausível.

No entanto, requerentes recusados podem recorrer da decisão perante o tribunal administrativo competente. O mais tardar nesse ponto, exigem-se provas de que a lealdade é credível. Comentários antissemitas, racistas ou pró-terrorismo nas redes sociais, por exemplo, podem resultar na recusa da naturalização. Além disso, em breve a glorificação de atos terroristas nas redes pode passar a ser motivo suficiente para deportação.

Como é entregue a declaração de lealdade?

Como a aplicação da lei federal é da alçada dos estados federados, o procedimento e formulação da declaração de lealdade pode diferir nos detalhes. De todo modo, o documente deve ser entregue pessoalmente, e em parte assinado, no órgão de naturalização, explicam os advogados do website Migrando.de.

Em certos estados, os candidatos ao passaporte alemão precisam assinar um suplemento. Em Hessen, por exemplo, ele contém explicações sobre a ordem liberal-democrática, diferentes formas de extremismo e as possíveis consequências de afirmativas falsas na declaração de lealdade. Estas podem resultar no indeferimento do pedido de naturalização ou em posterior retirada.

Fonte: DEUTSCHE WELLE