Economia
Domingo, 19 de maio de 2024

Reforma tributária vai deixar comida mais cara? Entenda o que está em jogo

O setor de alimentos diz que a comida pode ficar mais cara com a reforma tributária, e pressiona para ter tratamento especial. Defensores dizem que a reforma beneficia todos os setores. Entenda a discussão:

O que está em jogo

Reforma tributária pretende simplificar tributos. A proposta inicial da reforma tributária do consumo é unificar impostos e ter uma taxa única. Isso acabaria com o tratamento diferenciado dado hoje à cesta básica e eliminaria benefícios tributários do agronegócio.

A mudança tem gerado pressão por benefícios. Entidades ligadas ao agronegócio e à indústria de alimentos têm se movimentado para manter benefícios e isenções.

Defensores da reforma dizem que todos serão beneficiados. Quem defende a reforma diz que ela vai favorecer o ambiente de negócios e acabar com distorções.

Deputados já consideram criar modelo especial para alimentos. Com a pressão, a Câmara dos Deputados já considera criar um tratamento especial para o setor. Também estuda um modelo específico para o pequeno produtor, disse o coordenador do grupo de trabalho sobre o tema, deputado Reginaldo Lopes.

Porém, se algum setor pagar menos, outros precisarão pagar mais. A questão é que, se houver taxa menor para um ou mais setores da economia, o imposto sobre os outros itens vai precisar aumentar, diz Rodrigo Orair, diretor da Secretaria da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda. O desafio então é evitar uma proliferação de tratamentos especiais que desvirtue a reforma.

A indústria não quer pagar a conta. A indústria – que paga mais imposto hoje — não quer ter sua alíquota aumentada para pagar por benefícios de outros setores.

Como funciona hoje

Modelo é complexo e tem múltiplas taxas. O consumo hoje está sujeito aos seguintes impostos: IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS. As alíquotas variam de item para item, mudam de um estado para o outro e até entre municípios. O imposto de um perfume fica em 69%, enquanto o do queijo é 16%, segundo o IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação).

Complexidade gera resíduos tributários. Hoje uma empresa não consegue abater todos os impostos pagos ao longo de sua produção. Por exemplo: uma indústria de roupas não poderá abater parte das taxas pagas na compra do tecido, a depender do seu regime tributário. Isso gera resíduos tributários que impactam os preços.

Créditos não são pagos. Além de não poder abater parte do imposto, a empresa também não consegue receber de volta o imposto que ela tem direito de reaver. Isso porque, quando o imposto é pago, ele é incorporado ao Orçamento público, e a devolução fica em segundo plano frente a outras demandas dos governos.

Produtores rurais têm isenção em insumos. No modelo atual, entidades setoriais se organizam para conseguir benefícios fiscais, a fim de contornar os resíduos tributários. A atividade rural, por exemplo, conta com isenção em insumos, como fertilizantes ou sementes.

Cesta básica tem isenção de imposto. Os itens da cesta básica hoje contam com isenção de parte dos impostos. Hoje a cesta básica paga em média 9,8% de imposto, e a indústria de alimentos como um todo paga 23,8%, segundo dados da Abia (Associação Brasileira da Indústria de Alimentos).

Como ficaria com a reforma

Um único imposto para substituir cinco. Um imposto único chamado Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) substituiria os cinco impostos em vigor, com taxa única em torno de 25%.

Produção fica isenta de imposto. Com a simplificação do sistema, toda cadeia produtiva fica isenta de imposto. Ao comprar tecido, uma fábrica têxtil paga 25% de imposto e fica com 25% de crédito. A cobrança efetiva ocorre somente do consumidor final.

Fim da necessidade de incentivos fiscais. Pelo modelo, não há necessidade de taxa menor para insumos agrícolas ou qualquer outro insumo, de qualquer setor. “A alíquota no meio da cadeia é irrelevante, pois sempre haverá crédito proporcional ao débito”, diz Eurico Santi, professor da FGV e diretor do CCiF (Centro de Cidadania Fiscal), entidade que ajudou a desenhar a PEC 45, uma das propostas de reforma em discussão. O CCiF é um centro de estudos independente do governo e que tem parceiros privados, como Ambev, Braskem, Carrefour e Itaú.

Devolução do crédito será mais ágil. O imposto pago pela empresa irá para um conselho a ser criado. Esse órgão só destinará o dinheiro para o poder público quando a transação chegar ao consumidor final (que é o dinheiro do imposto que o governo vai abocanhar). O imposto pago ao longo da produção fica com o conselho para devolução. Por isso, ela será mais rápida do que é hoje, dizem os defensores da mudança.

Cesta básica perderia isenção. A isenção da cesta básica é um benefício custoso, que torna necessário o aumento de outros impostos, diz o CCiF. E ela vale para todos, sem distinção entre ricos e pobres. A proposta então é taxar a cesta básica e criar um mecanismo de cashback, para devolver o imposto pago pelos consumidores de baixa renda. A avaliação é que a tecnologia disponível hoje permite fazer essa devolução de forma ágil, no ato da compra, ou com crédito em um cartão.

Mudança vai fazer a economia crescer. Ainda que ocorram aumentos de preço pontuais, eles devem ser compensados pelo crescimento da economia e pela redução em outros itens. A estimativa é que a reforma gere um crescimento de mais de 20% da economia em 15 anos.

As críticas do setor de alimentos

Preço da cesta básica preocupa. Entidades do setor dizem que a alíquota única vai encarecer a cesta básica e prejudicar a renda da classe média. Elas também desconfiam da viabilidade do cashback aos mais pobres. A Abia defende que a reforma reduza a carga tributária e implemente o imposto zero para os alimentos.

Aumento do imposto pode sobrar para o produtor. A CNA (Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária) diz que o produtor pode ficar com parte do custo de um aumento de imposto. Isso porque o consumidor pode não estar disposto a pagar a mais por aquele item, obrigando o produtor a comprometer sua margem de lucro.

Demora na devolução dos créditos tributários. O setor não quer perder benefícios tributários adquiridos, como a isenção dos insumos. Há um temor de que o insumo passe a ser taxado em 25% e o produtor não consiga receber esse crédito, o que ampliaria muito o custo de produção. O setor quer saber então em quanto tempo os créditos do novo modelo seriam devolvidos e questiona quando os créditos atuais serão pagos.

O que os diferentes lados dizem

O atual modelo impede o Brasil de crescer. A alimentação está vinculada ao aumento de poder de compra das famílias e todos nossos estudos mostram que as famílias vão ter aumento de renda. Esse setor vai crescer muito, ele ganha com a reforma.
Deputado Reginaldo Lopes, coordenador do grupo de trabalho de reforma tributária da Câmara dos Deputados

Nossa proposta é que exista o imposto único, mas que o alimento seja isento.
João Dornellas, presidente da Abia

Se parte desse custo tributário ficar para o produtor, a rentabilidade dele vai cair. Se ele repassar tudo, a cesta básica vai ficar mais cara.
Renato Conchon, coordenador do núcleo econômico da CNA

Está todo mundo viciado no conceito de incentivo fiscal. Nesse modelo, não tem mais sentido o incentivo. O incentivo maior é garantir que todo o setor produtivo não paga imposto nenhum.
Eurico Santi, diretor do CCiF

É preciso entender que a reforma vai ampliar a demanda, e isso vai ser positivo para todos os setores. Se for pensar só na carga setorial, vira uma disputa de gato e rato.
Bento Maia, economista do CCiF

Estamos contando quanto se paga hoje de imposto e qual seria o aumento nos outros setores para acomodar benefícios.
Rodrigo Orair, diretor da Secretaria da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda

Fonte: Uol