Numa pequena área de cerca de 300 metros quadrados na região da Pampulha, em Belo Horizonte, um produtor rural plantou lúpulo, um dos ingredientes básicos na fabricação de cerveja, que se desenvolve com o auxílio de iluminação artificial.
A técnica tem sido a aposta de produtores brasileiros para elevar a oferta da planta no mercado interno, reduzindo a dependência das importações, e aumentar a qualidade -já que é comercializado fresco, ao contrário do trazido de outros países.
O país ainda engatinha na produção de lúpulo e tem um cenário hoje insignificante, mas visto como promissor. São somente cerca de 80 hectares (o equivalente a 112 campos de futebol) plantados, ínfimo em relação a outras culturas, mas que tem crescido nos últimos anos impulsionado pelo uso da luz extra à noite e pela crescente demanda de cervejarias artesanais registradas no país.
Neste ano, o país deve produzir 44 toneladas de lúpulo, 1% da demanda, de 4.320 toneladas. A expectativa é que a área plantada chegue a 180 hectares no próximo ano, empatando com o que a Argentina, hoje maior produtor da América do Sul, utiliza.
“Quando eu falei que ia plantar lúpulo, todo mundo começou a me chamar de doido. Eu falei ‘então estou no caminho certo’. Quero fazer a mesma coisa que fiz no mercado de cerveja artesanal com o lúpulo”, disse o produtor rural José Felipe Carneiro, um dos fundadores da cervejaria artesanal Wäls, vendida à Ambev em 2015.
Ele é o dono da área com lúpulo na capital mineira e produz também numa área de um hectare no interior do estado. Para isso, precisou convencer a família a trocar o café arábica, cuja saca de 60 quilos é vendida por mais de R$ 1.100, pela tentativa de se produzir lúpulo.
Tem dado certo, impulsionado pela iluminação extra. O quilo pode custar de R$ 200 a R$ 800, dependendo a variedade, e a expectativa é que a produção futura de Carneiro alcance duas toneladas.
Na produção da cerveja, o lúpulo é utilizado para conferir sabor, aroma, amargor e evitar a presença de bactérias. Tem uso também em outras áreas, como a medicinal e a cosmética.
A aposta na iluminação artificial é fazer com que a planta receba no Brasil a mesma carga de luz que o lúpulo produzido em países como Estados Unidos e Alemanha, de 16 a 17 horas por dia.
Além de produzir com mais qualidade, por ter um produto fresco, diferentemente do importado, a ideia é reduzir futuramente os custos de produção.
Carneiro afirma que o lúpulo é o ingrediente mais caro da cerveja, representando em média 30% do custo total.
“Produtores de outros países falam que o ideal, por conta da iluminação, é produzir lúpulo nas latitudes de 35 a 55 graus, o que não temos no Brasil. Se pegarmos o Sul, ficaríamos mais perto, mas ainda assim não atende essa faixa. Nos Estados Unidos, o lúpulo tem 16 horas de luz, aqui entramos com a iluminação artificial para conseguir chegar a esse total”, disse o consultor Gabriel Fortuna, da Brazuca Lúpulos, que hoje presta serviços a dois terços da área plantada no país (quase 30 hectares).
Isso faz, também, com que o país consiga ter duas safras, em março e julho, e projete crescimento nos próximos anos. “Não é exagero dizer que o céu é o limite. Tem muito a crescer”, afirmou Fortuna.
Como Carneiro, outros produtores mineiros e espalhados pelo país começaram a produzir a planta nos últimos anos e adotaram a técnica da luz artificial. São os casos de propriedades no interior de São Paulo, no Triângulo Mineiro e em estados como Santa Catarina.
Há 85 associados à Aprolúpulo (Associação Brasileira de Produtores de Lúpulo), fundada em 2018 e que abriga produtores em 11 estados.
Sócio da Van de Bergen, maior viveiro de mudas de lúpulo do país, localizado em Campinas, Felipe Wigman comercializou no último ano cerca de 50 mil mudas e diz que a cultura não é para aventureiros. Cada hectare comporta em média 2.500 plantas.
“Além de ter uma área que comporte, é preciso ter assessoria para o manejo e a luz artificial é essencial para o desenvolvimento da planta”, disse. O PH ideal do solo para cultivar lúpulo é próximo ao neutro.
O trabalho desenvolvido por produtores como Carneiro virou tema de uma websérie, “Do Campo ao Copo”, cujo primeiro episódio foi apresentado na Fazenda Cervejeira, em Belo Horizonte, e acompanhado pela Folha.
Ele mostra os desafios para cultivar o lúpulo no país -como trocar a área de café por lúpulo- e as oportunidades que o setor proporciona.
“Apoiamos a iniciativa porque [os produtores] apostam na inovação, na tecnologia e no conhecimento para avançar”, disse Paulo Máximo, diretor de marketing comercial da New Holland, fabricante de tratores e outros equipamentos agrícolas, que patrocinou o documentário.
Agronegócio
Sábado, 25 de maio de 2024
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