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Quarta-feira, 24 de julho de 2024

Havaianas nos pés e cabeça

Para atender demanda crescente, marca investe em capacidade de produção, otimização da malha logística e novas tecnologias de produtos e processos. App de customização é uma das novidades.

Liar tradição com completo domínio de mercado é a para poucos no mundo corporativo. A Havaianas é uma das marcas que se enquadra nesse seleto grupo. Os produtos da empresa da Alpargatas, principalmente as famosas sandálias de borracha, estão na casa de 94% dos brasileiros, o market share atinge 78% do segmento e 54% dos consumidores estão dispostos a comprar não somente os chinelos de dedo, mas também outros itens da marca. Relevância conquistada em 60 anos de história – completados no dia 13 de agosto –, metade deles com vendas de apenas um produto: a clássica sandália (chamada Tradi), de duas cores (azul clara e preta). Hoje são 6 mil SKUs, presença em mercados internacionais e receita recorde em 2021, de R$ 3,9 bilhões (+26%), com Ebitda de R$ 723 milhões (+17%), garantidos com a venda de 260 milhões de pares, média de 29,7 mil pares por hora ou cerca de 500 por minuto, em 300 mil pontos de comércio espalhados pelo País. Para manter os resultados positivos, o desafio para os próximos 60 anos são tornar a produção mais ágil e eficiente, com implementação de tecnologia e inovação nos processos internos e mudança na mentalidade dos colaboradores. “Precisamos sempre de consistência. Esse é o nome do jogo. Trabalhamos fortemente a saúde da marca nos últimos 60 anos. O mundo era binário, hoje é full spectrum”, disse à DINHEIRO Ana Bógus, presidente da Havaianas Brasil, que tem a missão de comandar a agenda de transformação da companhia, focada em digitalização, globalização, inovação e sustentabilidade e iniciada em 2017, quando o grupo J&F vendeu o controle da Alpargatas para Itaúsa e Cambuhy Investimentos por R$ 3,5 bilhões. “Todos os pilares estratégicos ganham vida com planos de ação que fomos construindo para termos uma power house”, disse a executiva, que foi contratada há um ano para exercer o cargo criado para tocar exclusivamente a operação brasileira da marca. Agora, ela acaba de ganhar mais responsabilidades ao ser anunciada como presidente para a América Latina.

Para chegar ao atual momento, foram percorridas seis décadas e muitas fases. Após 30 anos com o mesmo produto, houve enfim mudança do portfólio. Mas não por esforço da empresa. Foi um acaso. No início da década de 1990 os surfistas começaram a colocar a sola dos chinelos virada para cima, fazendo com que o calçado que era de duas cores ficasse com apenas uma. Virou moda e a companhia começou a produzir seu modelo monocromático. “Desde lá começamos a observar com mais detalhes o consumidor”, disse Ana. Havaianas era, nessa época, um produto de classes mais humildes. Inclusive, era item da cesta básica, junto com arroz e feijão. Não era uma marca, nem ditava tendências. Isso começou a mudar no fim da década de 1990, quando artistas como Chico Anysio e Malu Mader gravaram comerciais usando as sandálias dentro de suas casas. Um conceito de publicidade por influenciadores muito disseminado nos dias atuais e que já funcionava bem 25 anos atrás. A partir disso, a Havaianas constrói uma imagem fashionista e entra na casa de mais brasileiros. “Começamos a ter uma marca e não só um produto”, disse Ana Bógus.INOVAÇÃO Das campanhas sobre as confortáveis sandálias divulgadas pelo lendário humorista Chico Anysio às atuais com visual de grife com a atriz Catherine Zeta-Jones, a marca mostrou inovação.

 Das campanhas sobre as confortáveis sandálias divulgadas pelo lendário humorista Chico Anysio às atuais com visual de grife com a atriz Catherine Zeta-Jones, a marca mostrou inovação.

 

Outro momento marcante para a empresa ocorreu em 1998, durante a Copa do Mundo de futebol realizada na França. A companhia lançou o chinelo com as bandeirinhas dos países. O Brasil perdeu a final do torneio para os anfitriões (3 a 0) e a Havaianas ganhou tanto no mercado nacional quanto no internacional. “Abriu nossos portas no exterior”, afirmou a presidente. Por aqui, a marca expandia, com distribuição eficiente em canais de vendas variados, como supermercados, farmácias, lojas de calçados, como aponta Marcelo Cherto, sócio-fundador e presidente da Cherto, que formata e posiciona empresas em modelos de negócios, varejo e franquias. “Sendo considerada um item de primeira necessidade, entendeu bem que era fundamental ter a visão de múltiplos canais para tocar os clientes em momentos diferentes do dia a dia e tê-lo como amigo”, disse o especialista, ao ressaltar a criação de lojas da marca – próprias e franqueadas. “Foi um movimento corajoso.” Atualmente são 720 unidades, sendo 550 no Brasil e 170 no exterior, principalmente Estados Unidos, China e Europa. Outros movimentos importantes foram a coleção especial com Swarovski e ação de marketing com vencedores do Oscar |(início dos anos 2000), lançamento linha Slim (2006), calçados fechados Alpargatas (2010), licença com a Disney (2011), entrada na categoria de vestuário (2015) e linha Glitter (2019). Mais recentemente, o novo shape Tradi Zori, a linha Pride, e Havaianas reCICLO (todos em 2020), Havaianas TNS e as malas de viagem, licença com a Marvel e Havaianas NFT (2021) e parceria com a ONG Gerando Falcões, collab com a empresa Market para o modelo com nova tecnologia termocrômica, que muda de cor conforme a temperatura do calçado (2022).

PLANO DE AÇÕES O planejamento em curso tem como um dos pontos primordiais aperfeiçoamento dos canais de venda. Primeiramente, foi criada uma plataforma B2B, que tem ganhado corpo com 80 vendedores pelo Brasil. E em D2C (direct to consumer) o avanço mais signifcativo, com um e-commerce funcional, atendimento por Whatsapp e o app do vendedor, que está saindo do forno. Outra novidade que será lançada nos próximos dias um aplicativo de customização para que os consumidores possam cocriar os seus chinelos Havaianas será realizada uma iniciativa para um grupo seleto de pessoas que fizeram parte da história de Havaianas nesses 60 anos, entre celebridades, influenciadores, colaboradores e parceiros. Todos receberão um convite para inaugurar a plataforma e criar suas próprias Havaianas. Em seguida, será disponibilizado para o público . Será possível escolher a cor da sola, das tiras e das estampas, além de pins para serem colocados nas alças. A ideia é que as estampas disponíveis na plataforma sejam atualizadas com frequência, incluindo opções sazonais e comemorativas. Esse projeto de experiência imersiva ao usuário é um dos frutos do trabalho da ioasys (em letras minúsculas mesmo), startup mineira adquirida pela Alpargatas ano passado por R$ 200 milhões, para acelerar a transformação digital. Ana Bógus foi escolhida para liderar esse processo justamente por sua expertise em grandes companhias e também empresas ágeis, como Rappi, Kimberly-Clark, Nestlé e Bank Boston. “Estamos respirando ar diferente. Temos no Brasil 11 squads. Já formamos 180 pessoas em treinamento de processos ágeis. Temos apetite de uma companhia evolutiva”, disse a presidente da Havaianas. A ioasys – que continua a operar de forma independente – possui expertise em soluções end-to-end e cultura forte centrada na experiência dos usuários. Antes de ser comprada, tinha 250 funcionários. Hoje são 500. Na Alpargatas, que também detém a marca Osklen e tem licença exclusiva para vender Mizuno no País, são 15 mil funcionários no Brasil.

Outra frente de desenvolvimento da Havaianas está na melhoria de sua infraestrutura, formada por quatro fábricas no Brasil (Campina Grande-PB, Santa Rita-PB, Montes Claros-MG e Carpina-PE), além de um centro de distribuição em Extrema-MG e duas operações satélites em Alagoa Nova-PB e Mogeiro-PB. Desde 2021 a Alpargatas investe R$ 600 milhões na expansão de capacidade fabril, otimização da malha logística e novas tecnologias de produtos e processos. A maioria dessas ações entra em prática até dezembro.

Iniciativas que visam atender a crescente demanda de Havaianas, com benefícios de eficiência, redução de custos e melhoria de níveis de serviço para os canais físicos, on-line e no atendimento dos clientes globais. A marca expandiu seu portfólio durante a pandemia, que alterou o estilo de vida das pessoas mudou. As tradicionais sandálias que eram produtos do perímetro de praia passaram a ser usadas em outros lugares e de outras formas. “Estiveram mais presentes em períodos de uso dentro de casa. Passaram a estar no dia a dia, tanto no inverno quanto no verão, com meia e sem meia. Ampliamos momento de uso”, disse Ana Bógus. “Hoje vemos a sustentação desse movimento nas vendas.” Enquanto coloca o chinelo nos pés dos clientes, a marca está com a cabeça no futuro.

Fonte: IstoéDinheiro