Wall Street está diferente. Saem as quadras apertadas com pouca luz em meio aos arranha-céus da parte baixa de Manhattan, em Nova York, e entram as ensolaradas avenidas do bairro de Brickell, na sempre quente Miami, no sul dos Estados Unidos.
A diáspora de bancos e instituições financeiras para Miami nos últimos dois anos e meio tem sido tão grande que a região já ganhou o apelido de Wall Street South (sul), em referência ao coração financeiro dos EUA, ao norte.
O movimento mais recente, e talvez um dos mais significativos, aconteceu em junho, quando o bilionário Ken Griffin anunciou que tiraria de Chicago a Citadel, multinacional de fundos hedge e serviços financeiros que gere mais de US$ 51 bilhões em ativos, e levaria a empresa para a cidade da Flórida.
Para abrigar os cerca de mil funcionários que trabalham na sede, a Citadel já alugou uma torre de 8.360 m² de um prédio em construção em Brickell em uma quadra onde o metro quadrado já custa 85% a mais que a média de Nova York, reportou a imprensa local.
Ele segue outros grandes gestores de fundos, como a Icahn Enterprises e a Elliott Management, ambos com suas carteiras na casa das dezenas de bilhões de dólares. Ambos deixaram Nova York após a eclosão da pandemia de Covid-19, em 2020, rumo ao “estado ensolarado”, como a Flórida é conhecida nos EUA.
A lista de empresas que têm feito investimentos massivos na cidade inclui ainda Goldman Sachs e Blackstone, além de instituições brasileiras, como os bancos Bradesco e Itaú.
Uma série de fatores ajuda a explicar essa debandada.
O mais citado é o tributário: a Flórida, ao contrário de quase todos os estados americanos, incluindo Nova York e Califórnia, não tem um imposto de renda estadual além do cobrado pelo governo federal.
Em segundo lugar, está o conjunto de regras muito mais brandas para conter a pandemia em relação a outras regiões do país. O governador republicano Ron DeSantis, por exemplo, chegou a chamar a obrigatoriedade de uso de máscaras de “insanidade” e “teatro”.
No primeiro semestre de 2020, antes de decidir se mudar de vez para o estado, a Citadel começou a marcar reuniões para fechar negócios no hotel Four Seasons em Palm Beach, enquanto espaços do tipo estavam proibidos de receber eventos na maior parte do país.
E em terceiro lugar, em parte por consequência das regras sanitárias mais brandas, o boom populacional pelo qual o estado passa desde o começo da pandemia, com a possibilidade de morar em regiões mais tranquilas e de clima mais ameno com o trabalho remoto.
Três das regiões metropolitanas que mais cresceram nos EUA no ano passado estão na Flórida, segundo dados do Censo. O estado ganhou 211 mil moradores entre julho de 2020 e julho de 2021, atrás apenas do Texas.
Esse boom também se deu nas operações de empresas brasileiras. O Bradesco, por exemplo, dobrou as atividades na cidade em um ano, estima o diretor executivo e diretor de relações com investidores da instituição, Leandro de Miranda Araújo.
“O governador da Flórida e o prefeito de Miami fizeram um movimento para atrair dois grupos importantes da economia americana, o pessoal de Wall Street e o pessoal do Vale do Silício. As pessoas vão à procura de lugares mais agradáveis e as empresas vão por uma tributação mais eficiente”, diz Araújo.
Só neste ano, o banco brasileiro comprou participação na plataforma de carteiras de investimento, a BCP, e uma empresa de empréstimos para funcionários públicos, a OneBlinc. Em 2020, no primeiro ano da pandemia, também comprou um banco, o BAC Florida.
Com foco em “wealth management”, ou seja, operações voltadas para investidores de alta renda, a ideia é facilitar o acesso ao mercado americano para brasileiros e latinos em geral que queiram investir nos EUA. O plano é expandir da Flórida para Boston, local onde está a maior comunidade brasileira em território americano, e também para o Texas, Califórnia e Nova York.
Também o Itaú fez investimentos expressivos na cidade recentemente e comprou neste ano a corretora de investimentos Avenue, sediada em Miami.
Para Roberto Lee, CEO e fundador da Avenue, Miami tem se consolidado como uma capital da América Latina, sobretudo após a perda de importância em meio a sucessivas crises econômicas de cidades que antes aglutinavam multinacionais no continente, como São Paulo, Rio, Buenos Aires, Cidade do México ou Cidade do Panamá.
Todo esse boom transformou a vida na cidade, diz ele. “Miami ganhou mais trânsito, as escolas ficaram bem mais cheias. Mas também a cidade usufrui de muito mais diversidade de pessoas, a cena gastronômica melhorou, a cena cultural como um todo ficou mais forte”, afirma Lee –também ele habitante de Miami.
Percy Moreira, chefe do Itaú USA e do Itaú Private Internacional, diz que a empresa observa um aumento de interesse pela região desde 2015, intensificado recentemente. Desde 2020, 2.000 novas contas foram abertas no Itaú Private, afirma ele, número significativo no segmento, e houve aumento de 35% em ativos sob gestão local no mesmo período.
“A Flórida passou a ser reconhecida com maior intensidade como um centro de negócios nos últimos três anos, com grande fluxo de recursos de latino-americanos interessados em diversificar os seus investimentos com exposição internacional. Mas também temos notado um número cada vez maior de norte-americanos mudando para a região em busca de melhor qualidade de vida”, diz Moreira.
Dados do Escritório de Estatísticas de Trabalho dos EUA de maio, os mais atualizados, mostram que a região de Miami, que engloba também as cidades de Fort Lauderdale e West Palm Beach, tinha naquele mês 201,4 mil pessoas trabalhando em atividades financeiras, contra 187,3 mil no mesmo mês de 2020, aumento de 7,5%. É quase o dobro do aumento do total de funcionários do setor nos EUA, que cresceu 4% no mesmo período.
Não é possível fazer uma comparação direta com a cidade de Nova York porque os últimos dados disponíveis se referem a julho de 2021, mas o dado do mesmo mês do ano anterior mostra queda de 1,9% no número de funcionários de atividades financeiras.
O crescimento acelerado também tem impactos negativos. Dados da CoreLogic, empresa que analisa informações do setor, compilados pela imprensa americana, apontam Miami como a cidade com a maior inflação no aluguel dos EUA –alta de 40,8% entre abril de 2021 e abril de 2022. Na sequência, está a vizinha Orlando, com 25,8% de inflação no aluguel. Nova York, para se ter uma ideia, teve 8,4% de aumento no mesmo período.
É claro que a mudança não é unanimidade. À Bloomberg, Jason Mudrick, da Mudrick Capital Management afirmou: “O principal problema de se mudar para a Flórida é que você tem que viver na Flórida”.
Fonte: FolhaPress/Thiago Amancio