Negócios
Quinta-feira, 28 de março de 2024

Grupo Soma quer voltar a olhar aquisições em 2023, após lucro de R$ 130 milhões

Companhia teve expansão de superior a 40% na receita e Ebitda avançou mais de 90%

Depois um segundo trimestre forte em receita, margem e lucro, o Grupo Soma (SOMA3) quer colocar potenciais aquisições no radar novamente. “A partir do segundo semestre de 2023, a gente já quer estar com uma agenda ativa de M&A [fusões e aquisições]. Estamos ficando relativamente confortáveis com tudo que estamos vendo Hering. A estratégia já está toda traçada e estamos no momento de execução. Sabemos onde queremos chegar e vamos chegar”, afirmou Roberto Jatahy, em entrevista exclusiva ao EXAME IN.

O executivo está à frente da plataforma de moda que reúne as marcas FarmFarm GlobalFabulaAnimaleCris BarrosFoxtonNVMaria Filó e Off Premium, além da Hering, após a aquisição por R$ 5,1 bilhões no ano passado. Ontem, as ações da empresa tiveram alta de quase 7% na bolsa, levando a empresa a um valor de mercado próximo dos R$ 10 bilhões.

O motivo desse olhar no futuro já mais apetitoso é o desempenho que o negócio, como um todo, vem conquistando. A companhia mostrou um lucro líquido consolidado de R$ 130,8 milhões, uma expansão de 114%, na comparação anual com números pro-forma (que colocam Hering dentro do desempenho de 2021). Esses valores estão ajustados a eventos não recorrentes.

O mais interessante da última linha é que foi obtida com desempenho do negócio, sem itens extraordinários. A receita bruta total avançou 41,5%, para R$ 1,376 bilhão — as vendas mesmas lojas cresceram 35,2% no comparativo anual. Vale lembrar que o segundo trimestre do ano passado já tinha boa parte da economia reaberta. Todas as marcas mostraram crescimento de receita e margem. A menor expansão foi da Animale, com 30,2% e a maior, foi a Foxton com alta de 75%. A receita da Farm Global quase dobrou.

A margem bruta consolidada teve ligeira expansão de 59% para 59,3%, apesar das pressões inflacionárias e também dos desafios da cadeia produtiva. “Aqui, é interessante reparar que crescemos margem, no combinado com Hering, não só em relação a 2021, como frente a 2019. Em comparação ao pré-pandemia, são 5 pontos [percentuais] de ganho de margem”, destaca o CFO, Gabriel Lobo. “Esse ganho vem mesmo com a Hering, que está recuperando margem e já chegou muito próximo de 2019. A tendência é que ao longo dos próximos trimestres continue crescendo. No primeiro trimestre a margem veio baixa, mas em linha com que esperávamos. Agora está mais próxima daquilo que acredimos ser uma normalidade e vamos escalar isso ao longo do tempo. E no Grupo Soma todas as marcas cresceram receita e margem, com aumento do giro a preço cheio. Fechamos o trimestre com margem bruta superior a 70%”, completa.

Ebitda consolidado ajustado (que exclui os pacotes de remuneração desenvolvidos com foco no longo prazo) subiu mais de 90%, para R$ 210,5 milhões entre abril e junho. Trata-se do efeito de alavancagem operacional que Lobo reiteradamente explica sobre o racional do grupo. Uma gestão austera de despesas faz com que as conquistas do lucro bruto alavanquem o restante do balanço. “Quando você vê uma Animale com expansão de mesmas lojas de 30%, esse aumento flui praticamente todo para a última linha do balanço.” E essa lógica vale para todas as marcas.

Lobo afirma que as margens do segundo trimestre não foram ponto fora da cursa. Elas estão sustentadas, segundo ele, no giro a preço cheio das marcas e no aparato de assertividade de coleção, que está agora espelhado em todas as marcas. “Nosso risco de coleção hoje está muito mitigado”, diz.

A companhia também vem se beneficiando do que Jatahy chama de “consolidação orgânica” do setor de moda, uma vez que muitos players saíram da pandemia com sua situação financeira deteriorada, o que dificulta expansão. “Está muito claro para gente que nosso play é de ganho de market share.”

Como a empresa contraiu dívida para o pagamento da aquisição da Hering, ela vem de um cenário em que tinha receita financeira para uma despesa de R$33,5 milhões. Mesmo assim, a lucratividade na última aumentou, com a alavancagem operacional, e mais um crédito de imposto, no lugar de pagamento.

Planos e preocupações para 2023

“A grande preocupação que temos é o ano que vem. O que está acontecendo nos últimos dois anos, eu nunca vi na minha vida profissional. O ano de 2021 já foi crescimento excepcional sobre 2019. E agora em 2022 também. E como a gente orça 2023 com tudo que lemos no jornal?”, questiona Jatahy.

“Começamos a acreditar que haverá um crescimento, porém mais moderado. Não por desaceleração, mas porque os comparativos começam a ficar muito elevados”, pondera o CEO do grupo.

As dúvidas da empresa estão relacionadas à dificuldade de saber quanto do crescimento vem de ganho de market-share e quanto vem de um pico de consumo transitório da indústria. Mas Jatahy crê que, pelas sinalizações dos canais multimarca, há uma conquista de participação de mercado. “Estamos orçando a companhia com um relativo otimismo. Mas sem muita visilidade desse futuro de mais curto prazo”, diz ele. “Só que isso é um difícil bom: do quanto vamos crescer.”

O risco que a companhia quer evitar é de se preparar para uma expansão muito forte e ela não acontecer. Como se trata de uma indústria de ciclo longo, equivaleria a um erro de coleção. Na prática, os estoques aumentariam e a alavancagem da empresa também, porque o setor demanda muito capital de giro. Daí, a decisão de manter algum conservadorismo.

“Nosso foco é de geração de caixa. Não queremos crescer a qualquer custo. Não vamos colocar a companhia em risco, em um cenário de taxa de juros muito alta. Cash is king [o caixa é reai] é o mantra mais do que nunca”, reforça Lobo. “A ideia é passar esse período com maior tranquilidade para chegar em 2024 preparados. O desafio aqui é visibilidade.” Conclusão óbvia: em 2022 e 2023, o esforço do grupo é desalavancagem, apesar de ter indicadores saudáveis nessa fotografia. Ao fim de junho, a dívida líquida estava em R$ 716 milhões, equivalente a 1,2 vez o Ebitda de 12 meses.

Abertura de lojas

Para a Hering, os planos de abertura de loja e expansão regional não vão mudar. A empresa pretende trabalhar muito o canal multimarca e vê ainda oportunidades de franquias no Norte e Nordeste do Brasil para a marca. “Mas a maior alavanca de crescimento é o valor percebido na marca. E isso vem muito pelas megastores. Devemos terminar o ano com 25 megastores. Dessa forma, a gente consegue apresentar uma Hering muito mais didática para o consumidor, com experiência muito melhor”, explica Jatahy. A próxima grande loja a ser inaugurada, nas próximas semanas, é em Recife (PE).

No caso do Grupo Soma, a grande fonte de expansão nas vendas vem do conceito “mesmas lojas”, ou seja, as unidades já existentes estão crescendo em taxas elevadas. Nesse momento, essa alta é tão grande que o CEO acredita que há pouco valor em abrir um número elevado de lojas.

O objetivo da companhia é entender como a expansão, daqui para frente, vai se balancear, porque houve uma expansão muito forte do digital durante a pandemia e agora, em um movimento pendular, há uma volta muito intensa das lojas físicas. “Também não estamos agressivos na abertura de lojas porque achamos caro o preço do metro quadrado no shopping, afetado por esse movimento pendular do varejo físico.” Na opinião dele, haverá um reequilíbrio, ainda a ser encontrado, entre vendas digitais e físicas. Os números explicam: quando é feita a abertura da receita bruta, o que se vê é que as vendas nas lojas físicas quase dobram, com alta superior a 95%, enquanto as vendas online recuaram 4,5%.

M&A

“Uma marca muito pequena, até pelo nosso tamanho atual, acabaria ficando desprivilegiada dentro do nosso portfólio. O nosso sweet spot é pensar em negócios com receita ao redor de R$ 300 milhões, que a possamos levar para R$ 700 milhões, R$ 1 bilhão”, explica Jatahy.

Entretanto, esse não é um desafio fácil, pois é raro encontrar marcas no Brasil — foco das potenciais aquisições — que tenham esse porte. O setor de moda no país é extremamente fragmentado. Mas o grupo quer se colocar em estado de alerta e pronto para achar a próxima NV, que hoje possui a maior margem de contribuição do grupo, em termos percentuais.

Essa agenda de aquisição, entretanto, só vai entrar em fase de execução quando a companhia conseguir  uma visibilidade melhor de taxa de juros no país. “A gente não gosta de trabalhar com dívida”, enfatiza o CEO. “Não vamos tomar riscos desnecessários”, completa o CFO. “Nesse ano, vamos gerar caixa mesmo quando o crescimento, que demanda esforço da companhia, e essa é a mesma perspectiva para o ano que vem”, diz Lobo.

Fonte: Exame