Cultura
Terça-feira, 5 de novembro de 2024

Bienal de Arquitetura de São Paulo retorna após hiato querendo ocupar a cidade

Como qualquer um que enfrentou a quarentena com rigor, a Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo não quer ficar presa dentro de casa. De volta quase três anos depois de sua última edição, ocorrida antes da pandemia, a mostra, que começa no fim deste mês, traz obras e debates mais voltados para o espaço urbano do que para o doméstico.
Os trabalhos serão expostos no Sesc Avenida Paulista e no Centro Cultural São Paulo, mas não só. Os organizadores querem mesmo é que os visitantes saiam às ruas juntos em direção a locais como a ilha do Bororé, um refúgio ecológico a 30 quilômetros do centro paulistano. Para estimular a reflexão sobre mobilidade urbana, os guias vão conduzir o trajeto com baldeações, tanto por transportes terrestres quanto hidroviários.
Haverá ainda outros cinco trajetos, entre eles o caminho de Peabiru, uma rota ancestral que cruzava a região da Consolação ao ligar Cusco, no Peru, a São Vicente, no litoral paulista. Era o trajeto que povos indígenas sul-americanos como os guaranis faziam antes da invasão portuguesa.
A proposta reflete o trabalho do coletivo Travessias, composto por nove profissionais de diferentes ramos que venceram o concurso de curadoria promovido pelo IAB-SP, o braço paulista do Instituto de Arquitetos do Brasil, que organiza o evento.
A exposição, que chega à 13ª edição, recebeu o mesmo nome de seu coletivo organizador. Diante do pedido do IAB-SP para que refletissem sobre os arranjos urbanos e arquitetônicos vistos na crise pandêmica, os curadores querem discutir as travessias que ocorrem dentro de uma cidade.
Muitas são literais, como aquela de horas que um trabalhador da periferia faz para chegar ao trabalho. Outras nem tanto, como o cruzamento das diferentes vivências de cada um que atravessa o mesmo território, diz Viviane de Andrade Sá, arquiteta doutoranda da Universidade de São Paulo e uma das curadoras da bienal .
A ideia se materializa em obras como a intervenção “Borracha Branca”, do Coletivo de Ações Poéticas Urbanas, registrada num vídeo para ser exibido na mostra. Na escadaria de uma igreja de Goiás, o grupo esfregou 200 borrachas escolares brancas até o sumiço para lembrar que, ali, antes havia a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, erguida por escravos no século 18 e demolida 200 anos depois pela Ordem Dominicana, um grupo católico que pregava em prol da conversão ao cristianismo. O trabalho, diz Sá, foi escolhido para mostrar como a modificação do espaço urbano tende a silenciar a voz dos mais vulneráveis.
“Terreiro”, de Jaime Lauriano, também reflete a proposta da mostra. A intervenção, que consiste na montagem de uma roda de samba a partir de bancos de madeira recolhidos de terreiros de religiões com matriz africana, discute o Brasil contemporâneo à luz de seu passado escravocrata.
É, ainda, o caso de “Gangorra”, de Augusto Leal, que fez uma gangorra que não sobe nem desce, mas gira. É a horizontalidade que, em sua avaliação, deveria estruturar o poder, palavra que surge incrustada na estrutura de madeira da peça.
A exposição, que não terá núcleos para dividir as obras, também apresentará cinco construções de Francis Keré, o primeiro negro e africano a vencer o Pritzker, considerado o Nobel de arquitetura. É um arquiteto, diz Sabrina Fontenele, diretora cultural do IAB-SP e curadora residente da bienal, que se preocupa mais com a utilidade e o compromisso social do que com a forma de seus projetos, com a participação, em todas as etapas da construção, de quem vai usufruir do espaço.
“Alguns questionam onde está a arquitetura desta Bienal. Tem arquitetura, mas queremos propor novas formas de projetar, que não são necessariamente tão tradicionais e se aproximam da subjetividade”, diz Fontenele.
“Não é que a Bienal esteja mais politizada, mas talvez seja uma grande novidade para a arquitetura discutir questões como raça, gênero, resistência e os deslocamentos de quem constrói as cidades. Não dá mais para discutir as cidades só do ponto de vista de um desenho, sem olhar para as pessoas”, acrescenta Sá, do coletivo Travessias.

13ª BIENAL INTERNACIONAL DE ARQUITETURA -TRAVESSIAS
Quando Ter. a sex., 10h às 21h30; sáb., dom. e feriados, 10h às 18h30. Abertura: 27/5. Até 17/7
Onde Sesc Avenida Paulista – av. Paulista, 119, Bela Vista, São Paulo
Link: https://www.bienaldearquitetura.org.br/

13ª BIENAL INTERNACIONAL DE ARQUITETURA -TRAVESSIAS
Quando Seg. a sex., das 10h às 20h; sáb, dom. e feriados, das 10h às 18h30. Abertura: 4/6, às 17h (com performance de Uýra Sodoma). Até 17/7
Onde CCSP (Centro Cultural São Paulo) – rua Vergueiro, 1000, Paraíso, São Paulo
Link: https://bienaldearquitetura.org.br/

Fonte: FolhaPress