Cultura
Segunda-feira, 22 de julho de 2024

Miami vibrante: um giro gastronômico e cultural por Little Havana e Design District

Além de praias e compras, a cidade norte-americana queridinha por nós brasileiros ferve de opções culturais e gastronômicas que fogem do óbvio – e deixam um gostinho de quero mais

Plural, agitada, praiana e contemporânea. Junte todos estes predicados a uma cena gastronômica premiada e a uma interessante transformação artística e temos Miami à nossa frente.

Considerada um mosaico pan-americano com suas influências latinas, a cidade de mais de 450 mil habitantes no estado da Flórida é uma das preferidas de muitos brasileiros nos Estados Unidos há bastante tempo. Além das famosas compras nos grandes shoppings e outlets da região, Miami carrega em si um roteiro multicultural extremamente pujante.

O interessante é que a passagem do CNN Viagem & Gastronomia pelos EUA na terceira temporada do programa contemplou duas cidades que dialogam em termos de abundância cultural e culinária: Nova Orleans, uma cidade que queria muito conhecer e descobrir junto dos telespectadores; e Miami, destino que já conhecia – e sigo conhecendo – e que está entre as minhas prediletas do mundo.

E o que a torna especial? Justamente esta fusão de culturas latinas e americanas, que nos convida a degustá-la com calma. As casinhas dos salva-vidas, as gaivotas na areia e o mar azul turquesa ao fundo enquadram uma imagem clássica de Miami Beach, mas a cidade como um todo vai muito além disso.

Miami tem passado por uma renovação cultural e artística, além de gastronômica, e muitos artistas escolhem a cidade para viver e expor sua arte. Galerias, núcleos culturais, feiras de arte e até muros com intervenções pipocam por diversos cantos daqui, formando um terreno fértil para o campo das artes.

Digo também que Miami detém os melhores restaurantes dos EUA: dá para fazer um roteiro só de casas asiáticas, chinesas, japonesas, mexicanas, entre tantas outras cozinhas fascinantes. Que tal uma Miami que fuja um pouco do óbvio?

A missão foi fazer um contraponto de lugares “escondidos” que adoro ir e a apresentação de uma alta gastronomia – e também não tão alta assim, com restaurantes mais familiares e afetivos.

Percorrendo os bairros, especialmente Little Havana e Design District, o que fiz foi uma introdução do que acho bacana e imperdível na cidade, uma forma de instigar a descobrir outros lados de Miami em sua próxima viagem. Venha comigo e aproveite!

Little Havana

A pluralidade de Miami também se traduz em suas redondezas. E, com uma grande quantidade de latinos que se mudaram para a cidade e acabaram por ressoar suas raízes, não é de se espantar que uma das maiores comunidades seja de cubanos.

Durante a década de 1960, resumidamente, os Estados Unidos receberam a maior quantidade de cubanos no país da história. O resultado é que, hoje, Miami tem uma das maiores comunidades de cubanos fora da própria Cuba – para se ter uma ideia, Havana fica a mais ou menos 200 km de distância de Miami.

É uma verdadeira descoberta cultural e saborosa passar o dia por aqui: é uma região para tomar um bom mojito, mergulhar um pouco na cultura cubana e da América Central e escutar músicas típicas.

A mais famosa das vias é a Calle Ocho, a sudoeste da 8th Street, onde acontece o Calle Ocho Music Festival anualmente – festividade que culmina no Carnaval da cidade e chega a receber mais de 1 milhão de pessoas.

Coração do bairro, a Calle Ocho nos oferece vislumbres da cultura cubana com suas construções art déco, parques públicos, restaurantes, bares e lojas de charutos bem características. Não é difícil encontrarmos vários muros grafitados e pintados com dizeres referentes à Cuba, como “Cuba Libre”, “Havana” e corações com a bandeira do país.

Uma vez aqui, vale dar uma passadinha no tradicional Domino Park, icônico entre os turistas e moradores por concentrar idosos latinos jogando dominó e papeando sobre as principais manchetes do dia.

Por aqui também fica a Calle Ocho Walk of Fame, espécie de Calçada da Fama – mas na sua versão latino-americana. Atores, escritores, artistas e músicos possuem estrelas com seus nomes na calçada – uma das mais famosas é a da cantora e atriz mexicana Thalía.

Não deixe de entrar em uma loja de charutos, um dos símbolos cubanos. Na Calle Ocho, entrei na Federico Empire Cigar Boutique and Factory, que comercializa e enrola o tabaco em nossa frente. É interessante ver de perto como eles fazem os próprios charutos manualmente – com a ajuda dos funcionários, tentei fazer meu próprio charuto,  enrolando o tabaco e depois cortando a ponta com auxílio de um objeto cortante.

  • Daniela Filomeno na Calle Ocho, coração do bairro cubano Little Havana
  • 2 de 4Domino Park é onde idosos locais se reúnem para jogar dominó e papear sobre as principais manchetes do diaCrédito: CNN Viagem & Gastronomia
  • 3 de 4Pausa na programação cubana no bairro é no Lung Yai, que oferece delícias da culinária tailandesaCrédito: Daniela Filomeno
  • 4 de 4Copos de mojitos enfileirados para serem preparados ao mesmo tempo no Old’s Havana, bar típico da Calle OchoCrédito: Daniela Filomeno

E falando de sabores e aromas, que tal uma parada para comer? Claro que restaurantes cubanos são a alma da região, mas minha sugestão aqui é diferente, já que estamos falando de misturas culturais: aposte almoçar no Lung Yai Thai Tapas, pequeno restaurante tailandês que tem fila na porta e uma comida incomparável feita por locais.

Baseada na tradicional comida de rua do país asiático, o local serve iguarias típicas de dar água na boca antes mesmo dos pratos chegarem à mesa. Minha sugestão aqui é: peça um pouco de tudo.

Tem pad thai (US$ 13), arroz frito com caranguejo azul (US$ 15), pato crocante com manjericão (US$ 21), mix de legumes da época (US$ 13) e uma salada de mamão verde (US$ 11) com tomate, amendoim e vagem com molho de limão no estilo tailandês que é de comer rezando – só experimentei uma salada parecida na própria Tailândia.

E o interessante é que o esquema é um pouco diferente do qual estamos acostumados. Você chega na porta, escreve seu nome numa planilha de papel e aguarda uma mesa. Uma vez sentados, a política da casa é o “one time order”, ou seja, temos de pedir todos os pratos de uma única vez – caso contrário temos de voltar para fila novamente.

Deixando a cultura tailandesa um pouco de lado e voltando às raízes cubanas, uma das casas mais amadas da Calle Ocho é a Sanguich, que possui apenas cinco sanduíches no cardápio. Os pães e os recheios são caseiros e a mostarda da casa é um dos grandes sucessos do local. São apenas 25 lugares e uma decoração que nos leva diretamente a uma velha Havana, com ladrilhos coloridos.

E se estiver em uma época de intenso calor em Miami, nada melhor do que um sorvete para adoçar a tarde. Após as refeições, passe na Azucar Ice Cream Company, sorveteria artesanal que nos oferece cerca de 100 sabores tropicais, como “café con leche”, “plátano maduro” (banana frita) e até rum. Uma delícia atrás da outra!

E uma ótima maneira de começar uma happy hour em Little Havana é, claro, com um mojito – drinque de origem cubana que combina rum branco com suco de limão e hortelã.

Na mesma Calle Ocho tente o Old’s Havana, bar e restaurante onde podemos testemunhar vários mojitos sendo feitos ao mesmo tempo, e onde os copos ficam enfileirados um ao lado do outro e vão recebendo o álcool necessário. Tal fato me lembra o Bodeguita del Médio, lendário bar em Havana que já virou até um ponto turístico e é conhecido por ser o berço do mojito.

Outra parada famosa entre os bares é o Cafe La Trova, que imprime uma visão da cozinha cubana moderna e traz certa vibração com um pátio ao ar livre – bom atrativo para um degustar um coquetel, fumar um charuto e ou até jogar dominó.

Quer ainda um pouco mais de diversão? Vá ao Ball & Chain, bar aberto em 1935 que carrega em si um espírito latino que remonta a bailes regados a muito ânimo.

São mais de 80 anos de história, que remontam a um tempo onde homens usavam seus melhores chapéus e as mulheres se vestiam com esmero para dançar e saborear mojitos – por que não repetir isso hoje em dia?

Miami Design District

Assim como em Little Havana, aqui é onde a criatividade floresce e onde nossos sentidos se divertem. Mais ao norte do bairro cubano, próximo de Wynwood, arquitetura, moda e gastronomia se juntam no Design District em sua potencialidade máxima para nos deixar com várias impressões, mas uma delas é especial: a de encantamento.

Em resumo, é uma região que congrega lojas de grifes badaladas, restaurantes premiados e instituições artísticas e culturais a nível mundial.

O bairro foi concebido pelo empreendedor e empresário Craig Robbins, que começou a comprar algumas propriedades por aqui e, a partir dos anos 2000, deu o pontapé inicial na revitalização do local, dando uma sobrevida ao que ele chamou de uma “Miami esquecida”. Deu certo. Hoje, o Design District possui mais de 130 espaços que abraçam os campos da arte, da cultura, da gastronomia e das compras.

Andar por aqui já é por si só um passeio e tanto. Além de opulentas, as grandes grifes seguem o código do bairro e possuem intervenções artísticas periódicas que pedem muitas fotos – isso quando a própria arquitetura das lojas já é digna de contemplação. Obras de arte públicas também ficam espalhadas pelas ruas e centros comerciais.

Uma das principais instituições artísticas que vale a visita é o Institute of Contemporary Art Miami (ICA), principal museu do bairro que nos apresenta arte contemporânea de artistas locais emergentes e pouco reconhecidos. Além do acervo fixo, exposições e um calendário artístico agitado ocorrem ao longo do ano.

O bacana é que o museu também possui um espaço externo chamado de Jardim das Esculturas, com trabalhos dispostos ao ar livre. E a cereja do bolo: a entrada é gratuita o ano todo – entretanto, reservas são recomendadas via site e o local não abre na segunda e na terça-feira.

  • Daniela Filomeno em meio às lojas do Design District, como esta da Louis Vuitton que recebe instalações periódicas
  • Miami Design District possui construções com arquitetura arrojada e lojas sofisticadas
  • Obra de arte e labirinto criado no Design District para celebrar os 100 anos do perfume Chanel N°5
  • Salão interno do Aubi & Ramsa, sorveteria apenas para maiores de 21 anos
  • Detalhe da obra Fly’s Eye na Palm Court, praça recheada de lojas e palmeiras

Vale destacar que, na mesma 41st Street, rua do ICA, fica uma paradinha gastronômica deliciosa que se enquadra também como uma experiência. Falo do Aubi & Ramsa, sorveteria com um porém: apenas aceita clientes acima de 21 anos. A resposta? Os sorvetes da marca são infusionados com bebidas alcoólicas. É como uma happy hour diferente.

São vários sabores inspirados em drinques, como os meus favoritos de chocolate, nozes e gim (a partir de US$ 10) e o de agave dulce de leche (a partir de US$ 9), que leva tequila. Os sorvetes vêm em potes refinados e a lojinha é toda rebuscada, brincando com quadros de arte e o fato do álcool estar presente no alimento.

Para os entusiastas e amantes de arte igual a mim, vale conhecer também o Locust Projects, uma incubadora que produz e apresenta exposições, programas e projetos. Fundado em 1998 por e para artistas, o local respira arte alternativa sem fins lucrativos e se firma como uma pulsante lançadora de artistas em Miami.

E quer ver ainda mais arte? É indispensável estar aqui e não visitar uma galeria. Uma das mais renomadas no Design District é a David Castillo, que se destaca por apresentar artistas negros inovadores, assim como mulheres e artistas queer.

Outro espaço bacana – difícil achar um que não seja! – é o Palm Court, uma praça ampla e repleta de palmeiras que possui em seu centro uma obra de arte para lá de fotogênica, o Fly’s Eye Dome – um domo que se firmou como um dos pontos de arte pública mais bacanas do pedaço. Ao seu redor, lojas de luxo completam a aura refinada do local.

E, a partir da Palm Court, por um caminho em linha reta batizado de Paseo Point, é possível chegar ao Paradise Plaza, local de eventos de arquitetura moderna que se transforma facilmente em qualquer ocasião. É aqui que fica um dos restaurantes mais emblemáticos da cidade – e um dos meus prediletos.

Falo do L’Atelier de Joël Robuchon, que desembarcou na região em 2019 e agitou a cena gastronômica da cidade. É uma parada para um jantar delicioso e rebuscado, que nos apresenta um menu-degustação para lá de saboroso e instigante.

Com uma decoração contemporânea e de cor predominantemente vermelha, o balcão de 34 lugares é o melhor lugar para apreciar o trabalho duro que a equipe emprega para seguir os passos do Sr. Robuchon – um dos melhores chefs do mundo que foi condecorado com cerca de 32 estrelas Michelin ao longo da carreira.

  • Daniela Filomeno no balcão do L’Atelier Joel Robuchon em MiamiCrédito: CNN Viagem & Gastronomia
  • Caviar e lagosta do Maine, geleia de crustáceos e creme de aipoCrédito: Daniela Filomeno
  • Massa com trufa negra
  • Vieiras servidas em caldo de coentro, emulsão de coco e lula
  • Após as etapas principais, sobremesa que mais se parece uma obra de arte encerra menu-degustação da casa

Assim, não experimentamos uma comida francesa tradicional, mas uma cozinha inventiva com um pouco de influência internacional. Na casa, apostei no menu-degustação chamado de “Evolução Gustativa”, uma sequência de sete tempos: seis pratos saborosos e uma sobremesa (US$ 255). É o menu mais popular da casa, podendo ser harmonizado com vinhos também.

Na boca, diferentes texturas e sabores que impressionam. Os pratos são lindos, bem montados, com uma apresentação que comemos imediatamente com os olhos. Começamos com amuse-bouche com foie gras real e vinho do Porto.

Lagosta com caviar russo e maçã verde, black cod fresco supermacio e pequena costela de wagyu servida com cogumelos maitake com mousse de alcachofra e purê de batatas são algumas das delícias que se destacaram – e muito – para mim.

Inclusive, a dica é experimentar o purê de batatas de Robuchon: é sem igual de tão cremoso, e se assemelha a um queijo. Ótima maneira de terminar a noite e celebrar Miami.

Fonte: CNN