O socialista António Costa toma posse pela terceira vez como primeiro-ministro de Portugal nesta quarta-feira (30), com pelo menos duas diferenças cruciais de cenário em relação aos seus mandatos anteriores.
A primeira é uma confortável vantagem legislativa, com a surpreendente maioria absoluta conquistada nas eleições antecipadas de janeiro. Tendo 120 entre os 230 deputados do Parlamento, o Partido Socialista poderá impor sua agenda sem depender de negociações com outras legendas, como vinha fazendo desde que assumiu o poder, em novembro de 2015.
Embora o caminho possa estar facilitado nessa via, o governo ainda está sujeito a outras formas de limitações políticas, sobretudo por meio da Presidência, sob Marcelo Rebelo de Sousa. Eis a segunda diferença: “Provavelmente vamos ver nessa legislatura uma maior intervenção do presidente da República”, diz Francisco Pereira Coutinho, analista político e professor de Direito na Universidade Nova de Lisboa.
“Mas teremos um novo ciclo político, com uma dinâmica muito distinta. A oposição já não vai poder bloquear a maior parte da atividade legislativa do governo, por causa da amplíssima maioria do PS.”
A primeira demonstração do poderio reforçado será com o Orçamento de Estado para este ano, cuja reprovação, no final de outubro passado, foi o pivô da crise que acabou levando à dissolução da Assembleia da República.
Embora tenha sido classificado por muitos analistas como o orçamento mais à esquerda apresentado pelo atual primeiro-ministro, o projeto foi reprovado devido aos votos contrários dos antigos parceiros do PS na chamada “geringonça” “coalizão pós- eleitoral de esquerda que permitiu a ascensão de Costa.
Agora com uma margem de votos suficiente para garantir a aprovação do texto, os socialistas já avisaram que irão reapresentar (e aprovar) a proposta sem grandes alterações.
Em relação ao presidente, o mecanismo mais temido é a prerrogativa que o chefe de Estado tem de demitir o primeiro-ministro e de dissolver o Parlamento, convocando novas eleições. A opção -aliás usada para o pleito antecipado de janeiro-, foi apelidada de “bomba nuclear” na vida política do país.
O presidente também tem o poder de vetar leis. Ainda que o veto possa depois ser derrubado no Parlamento, seu uso poderia representar atrasos e constrangimentos adicionais ao processo. Outro mecanismo possível é o de encaminhar projetos aprovados no Legislativo para revisão do Tribunal Constitucional, mais alta corte do país. Antigo professor de direito constitucional, Rebelo de Sousa -que fez toda a carreira política na centro-direita- já usou a opção algumas vezes.
Coutinho destaca, porém, que o primeiro-ministro e o presidente têm um histórico de bom relacionamento. “A relação sempre foi bastante boa, mesmo numa altura em que António Costa tinha um grupo parlamentar bastante reduzido, nos primeiros quatro anos de exercício de funções”, diz o analista político.
Sem a perspectiva de conseguir interferir na aprovação da maior parte dos projetos de lei, os demais partidos pedem uma melhora no diálogo na Assembleia da República. Uma das principais propostas é o retorno dos debates quinzenais com o premiê.
Iniciadas em 2007, essas sabatinas acabaram em 2020, com apoio do próprio António Costa. Embora nunca tenha simpatizado com o formato, o primeiro-ministro tem demonstrado abertura para seu retorno agora.
O escrutínio adicional da atividade do governo é defendido sobretudo em uma legislatura em que Portugal receberá um volume inédito de fundos europeus. O chamado PRR (Plano de Recuperação e Resiliência), dará a Portugal mais de 16,6 bilhões de euros (R$ 86 bilhões) como parte do pacote de ajudas da União Europeia para apoiar os países do bloco após a crise causada pela Covid-19.
Graças aos cofres reforçados, o Ministério das Finanças deve ter ainda mais protagonismo na vida política do país. António Costa escolheu para o cargo o antigo prefeito de Lisboa Fernando Medina.
O novo governo é também o primeiro na história do país com mais mulheres do que homens em funções no primeiro escalão. Das 17 pastas, 9 terão comando feminino -incluindo a Defesa, pela primeira vez com uma mulher à frente, e a da Presidência, espécie de número 2 do poder.
A nova legislatura será marcada ainda pela recomposição dos partidos de oposição no Parlamento. Maior partido da oposição, o PSD (Partido Social-Democrata), de centro-direita, ainda não definiu quem sucederá o deputado Rui Rio na liderança do partido.
Com isso, outras duas legendas mais à direita podem acabar com mais protagonismo. Com propostas polêmicas como a volta da pena de morte e a castração química de pedófilos, o Chega, que em 2019 conquistara apenas um assento no Parlamento, é agora o terceiro maior partido de Portugal, com 12 deputados.
Líder do partido, o deputado André Ventura, que ficou em terceiro lugar nas últimas eleições presidenciais, já afirmou que pretende ocupar o espaço vago deixado pelo PSD.
Quarta maior força política do país, com oito deputados, a Iniciativa Liberal também dá sinais de que vai disputar mais protagonismo na Assembleia da República.
“O Parlamento vai ser o centro da oposição. A luta que veremos acontecer nos próximos anos é para ver quem vai dar corpo à posição de direita a António Costa”, avalia a cientista política Marina Costa Lobo, pesquisadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
Segundo ela, que é coordenadora do projeto Comportamento Eleitoral dos Portugueses, o líder do Chega deve tentar usar sua presença no Parlamento como palco para se firmar como figura principal da oposição e se cacifar para futuros pleitos.
Fonte: FolhaPress/Giuliana Miranda