Cultura
Quinta-feira, 4 de julho de 2024

Exposição revela as inspirações de Walt Disney

O relógio dançante, o sofá falante e o candelabro que caminha sem pés são ocorrências naturais para gerações de crianças hipnotizadas pelo mais importante estúdio de animação da história.
Agora, uma exposição no Museu Metropolitano de Nova York, o Met, põe os personagens num diálogo com a arte europeia que inspirou Walt Disney. É a primeira vez que o mais tradicional dos grandes museus americanos dedica uma mostra ao empresário e artista morto em 1966.
Artista? Os defensores da hierarquia cultural do Met questionaram se Disney merecia ser assim definido, quando ele doou para o museu desenhos originais dos famosos abutres de “A Branca de Neve”.
“Inspiring Walt Disney: The Animation of French Decorative Arts” –ou inspirando Walt Disney: a animação das artes decorativas francesas– é a primeira mostra realizada nos Estados Unidos que não se concentra na animação como arte e técnica, mas na iconografia do passado que tanto impressionou o ainda adolescente Walt Disney na sua primeira viagem à França, ao final da Primeira Guerra.
Hoje, o neologismo “disneyficação” –”disneyfication”, em inglês– é pejorativo. É uma referência à transformação que atropela tradições e faz certas áreas urbanas lembrarem um parque temático. Mas a exposição aponta a ironia da simples associação de Walt Disney à pasteurização visual de metrópoles.
O Met argumenta que a influência de Disney nas artes visuais americanas é singular e talvez não superada. Foi por meio do consumo em massa dos filmes do estúdio que muitos americanos tiveram seu primeiro contato com uma estética visual produzida para elites do velho continente.
A mostra é concentrada em quatro produções do estúdio. O curador Wolf Burchard explica à Folha que o ponto de partida, “A Branca de Neve”, é um exemplo da influência alemã pré-Segunda Guerra. “Cinderela” e “A Bela Adormecida” mostram a atração de Disney pelas histórias infantis do francês Charles Perrault.
“A Bela e a Fera”, de 1991, é a única animação da mostra totalmente produzida depois da morte de Disney e pôde contar com recursos digitais de que ele não dispunha.
Para Burchard, isso ilustra a maestria como Disney e seus artistas reproduziam artesanalmente a textura do rococó francês com realismo. “Disney desafiou limites para ilustrar o mundo de sonhos que queria representar,” diz o curador. “Você vê a textura brilhante e o reflexo da luz da porcelana de Sèvres nos desenhos.”
O realismo de Disney, ele afirma, também se estendia aos movimentos de objetos inanimados. O candelabro de “A Bela e a Fera”, por exemplo, caminha com as limitações de sua anatomia, sem pés.
A exposição do Met faz mais do que reviver a admiração pela mais talentosa equipe reunida por um estúdio no cinema. Provoca diálogo sobre questões como autoria. “É uma oportunidade de traçar paralelos entre o século 18 [época em que foram produzidos os itens exibidos na mostra] e o presente,” diz Burchard.
“Lembro que as primeiras leis de proteção de copyright vêm daquele período. Ao contrário dos ateliês renascentistas –há tantos artistas anônimos nas telas de grandes mestres–, as oficinas de artistas franceses começam a reconhecer nomes.”
Walt Disney era um produto da emergência dos Estados Unidos no século 20, e seu amor pela arte europeia não se estendia ao mundo de privilégio que inspirava visualmente os contos infantis que animou. Será que o jovem Walt Disney hoje seria esteticamente censurado por seus castelos, príncipes encantados e belas adormecidas?
Wolf Burchard lembra que, apesar de ter nascido há 120 anos no meio-oeste americano, Disney se ajustou a mudanças sociais, e seu estúdio, nos anos 1950, era conhecido por ser um dos mais progressistas de Hollywood.
“A versão da Branca de Neve,” diz, “era um avanço contemporâneo sobre o original de 1812. Branca de Neve era tão moderna em 1937 quanto foi a Elsa de tons feministas, em ‘Frozen’, de 2013.”

Fonte: FolhaPress/Lúcia Guimarães