Os aumentos reais do salário mínimo representaram uma das principais políticas para a queda na desigualdade de rendimentos no Brasil em uma década, segundo um estudo dos pesquisadores Niklas Engbom, da Universidade de Nova York, e Christian Moser, da Universidade Columbia.
Os dados apontam que, entre 1994 e 2014, o salário mínimo teve efeitos de longo alcance e representou ao menos um terço da queda de 25,9 pontos na variação dos rendimentos, segundo o estudo, feito a partir de pesquisas nacionais, como a PME (Pesquisa Mensal de Emprego) e a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
“Vimos que o aumento de cerca de 119% no valor ajustado pela inflação do mínimo no Brasil contribuiu significativamente para um grande declínio na desigualdade de rendimentos no período”, disseram os pesquisadores à reportagem.
Pelo estudo, o aumento do salário mínimo elevou sobretudo as remunerações dos trabalhadores na base da distribuição de renda, como era esperado. Mas, ao mesmo tempo em que os brasileiros que recebiam o piso foram diretamente favorecidos, mesmo aqueles que ganhavam acima do mínimo se beneficiaram, já que o cenário ajudou a empurrar para cima as demais remunerações.
De 2007 até 2019, o salário mínimo teve, por regra, aumentos acima da inflação sempre que houvesse crescimento econômico. O cálculo considerava o INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), indicador que corrige o salário, e o resultado do PIB (Produto Interno Bruto) de dois anos antes.
No fim do ano passado, já sem a renovação da regra de reajuste, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) anunciou que elevaria o salário mínimo de R$ 1.045 para R$ 1.100 em 2021. O reajuste não previa ganho real aos trabalhadores, já que o INPC subiu 5,45% em 2020, ficando acima da revisão de 5,26% do salário.
Segundo o estudo publicado nos EUA, os efeitos do salário mínimo sobre o emprego e a produtividade acabaram sendo favorecidos pelo remanejamento dos trabalhadores na direção de empresas mais produtivas.
Eles estimam que o salário mais alto tenha contribuído para uma realocação de trabalhadores de empresas de baixa produtividade e baixa remuneração para empregadores de maior remuneração e maior produtividade.
“Encontramos apenas um pequeno efeito negativo do aumento do salário mínimo real sobre a criação de empregos. Isso significa que o emprego agregado mudou pouco como resultado do aumento da remuneração”, dizem os pesquisadores.
Ao mesmo tempo, há poucas evidências entre uma vinculação do aumento do salário mínimo e o grau de formalização do mercado de trabalho, de acordo com os economistas. “Não parece que o aumento do salário mínimo tenha impactado na formalização do mercado de trabalho neste período no Brasil, que acreditamos ser impulsionado principalmente por outros fatores.”
Ainda de acordo com dados do IBGE, as ocupações informais foram as mais afetadas pela pandemia e diminuíram 12,6% no ano passado, três vezes mais que as formais (4,2%), segundo o pesquisador do Ibre Fernando Veloso.
Os pesquisadores avaliam que o processo de formalização dos trabalhadores está mais atrelado ao crescimento da economia em anos de bonança e com um avanço no grau de instrução dos trabalhadores.
No ano passado, os trabalhadores brasileiros tinham, em média, menos de dez anos de estudo, segundo levantamento feito pelo FGV/Ibre (Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas). O indicador avançou cerca de 1 ponto desde 2012.
Embora as mudanças de perfil dos trabalhadores não tenham sido o foco do estudo, esse grande aumento no nível de escolaridade é provavelmente importante do ponto de vista da desigualdade de renda e de um aumento futuro na competitividade internacional, dizem.
Os pesquisadores ressaltam que o estudo trata da elevação do salário mínimo durante um período em que a economia brasileira cresceu significativamente. Em um cenário diferente -como o de recessões, por exemplo- os efeitos de aumentos de salário podem ser menos benignos.
“É possível que um aumento rápido do salário durante um período de recessão tenha um efeito negativo sobre o emprego e um efeito positivo menor na redução da desigualdade”, avaliam.
Embora benéfico aos trabalhadores, o reajuste do mínimo também gera impacto nas contas públicas, já que aposentadorias e outros benefícios são atrelados ao piso. Para cada R$ 1 de reajuste este ano, o custo aos cofres públicos aumenta em R$ 351,1 milhões, segundo estimativas oficiais, o que acaba pesando em períodos de crise, como a de 2015 e 2016, e a provocada pela pandemia de Covid-19.
Fonte: FolhaPress/Douglas Gavras