Cultura
Quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Caetano Veloso faz show tecnicamente impecável, mas gelado em Bruxelas

“Fazia dois anos que eu não cantava em frente ao público. E aqui ainda está mais bonito, porque está todo mundo sem máscara”, disse Caetano Veloso no encerramento de seu show em Bruxelas nesta segunda à noite.
O espetáculo na capital belga, a terceira cidade visitada pelo músico brasileiro nesta turnê europeia, foi a céu aberto, o que permitiu dispensar o equipamento de proteção. O músico brasileiro, porém, se esqueceu de descobrir o rosto antes de entrar no palco, pouco depois das nove da noite, no horário local. “Eu quase ia cantando de máscara. Isso tudo [a pandemia] mexe com a nossa cabeça. Mas a gente há de vencer”, afirmou.
Sozinho com seu violão, destacado por luzes brancas contra um fundo negro, Caetano, de 79 anos, fez um espetáculo musicalmente excelente. A boa acústica e a engenharia de som valorizaram um Caetano de voz muito clara e segura durante todas as 22 músicas que ele interpretou, quase sem pausas, em 90 minutos de show.
A atmosfera, porém, passou longe da “verdadeira festa tropical” prometida pela divulgação do espetáculo e se manteve quase sempre tão fria quanto a noite de verão belga, em que os 16 graus do termômetro perdiam mais dois por causa do vento gelado.
O público de todas as idades e bastante internacional -flamengo, francês e inglês eram idiomas mais ouvidos nas conversas que o português- não acompanhava em peso as canções, nem mesmo nas três vezes em que Caetano estimulou sua participação, em “Cajuína”, “Desde que o Samba É Samba” e “Terra”.
Não que faltassem manifestações de fãs brasileiros mais animados, mas elas acabavam se diluindo no espaço aberto e nos espaços vazios das fileiras de assentos -o show de Bruxelas foi o único que não esgotou a lotação, dos 11 da turnê.
O próprio Caetano, embora parecesse bem disposto, deu pouca corda aos espectadores. Seguindo uma lista de canções praticamente idêntica à do show em Paris, no sábado, enfileirou sem respiros 13 músicas nos primeiros 45 minutos de apresentação.
Abriu com “Milagres do Povo” e engatou sucessos como “Menino do Rio”, “Luz do Sol” e “Janelas Abertas Nº 2 (Você É Linda)”, além de “Muito Romântico” e “Coração Vagabundo”. Houve quem tentasse puxar um coro de palmas para marcar o ritmo de “Tigresa” e manifestações mais acaloradas em “Gente” -após o verso “gente é pra brilhar/ não pra morrer de fome”-, mas a maioria do público não seguiu a empolgação.
Durante a canção “Um Índio”, tema politicamente em evidência após protestos indígenas em Brasília contra mudança nas leis de demarcações de terras, houve um grito isolado contra o governo.
“Trilhos Urbanos” (com assobios afinados), “O Ciúme” e “Branquinha” entraram também nesse primeiro bloco compacto. Faltavam quatro minutos para as dez da noite quando Caetano disse a primeira frase mais pessoal do show -anunciou que a próxima música seria para uma menininha que havia visto na cidade durante a tarde.
Veio então “Sampa”, e a criança apareceu no palco, mas apenas ao final da canção Caetano pareceu notar sua presença; chamou-a para perto, perguntou seu nome -Rafaela- e a convidou a cantar o que quisesse -a garota escolheu “Tigresa”.
Duas músicas depois, o músico lamentou ter mexido no microfone, o que afetou o até então impecável equilíbrio do som.
Mais curto e um pouco mais descontraído, esse segundo bloco prosseguiu com “Tonada de Luna Llena” -balada da lua cheia-, de Simón Diaz, que Caetano sustentou a capela e descreveu como uma “lindíssima canção venezuelana, a única do show que não é minha”.
Embora estivesse claro que boa parte do público não era brasileira -“muita gente não entende português”, disse ele no final-, o repertório de Bruxelas não incluiu nenhuma obra francesa, como em Paris, onde entraram trechos de “Tu T’Laisses Aller” -te deixas ir-, de Charles Aznavour, e “Dans Mon Île” -na minha ilha–, de Henri Salvador.
Caetano disse que não sabia falar flamengo e tentaria dizer algo em francês, mas não passou de “merci” -obrigado.
As três músicas seguintes -“Desde que o Samba É Samba”, “O Leãozinho” e “Terra”- foram num crescendo que terminou com o público em pé, dançando e batendo palmas ao ritmo de “Reconvexo”, enquanto Caetano arriscava alguns passos do samba de roda.
Aplausos e dancinha foram de novo mais chochos e breves que os da abertura da turnê em Hamburgo, na Alemanha, da mesma forma que o coro de “fora, Bolsonaro!” do público foi menos efusivo e mais breve que o do show em Paris -de alguns minutos, na capital francesa, para poucos segundos em Bruxelas.
Caetano tem ainda sete apresentações marcadas em Portugal -quatro em Lisboa, duas no Porto e uma em Guarda, no leste do país- antes de deixar a Europa. No Brasil, ele deve se apresentar em novembro, no festival Rock the Mountain, realizado em Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro.
O músico deve lançar novo álbum com faixas inéditas neste ano, informou a gravadora Sony na semana passada.

Fonte: FolhaPress/Ana Estela Souza