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Quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Com pandemia, indústria perde ainda mais participação no PIB e agronegócio ganha protagonismo

O processo de desindustrialização da economia brasileira se acentuou com a pandemia do novo coronavírus. Levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) mostra que a participação do setor manufatureiro no PIB (Produto Interno Bruto) atingiu novas mínimas históricas e que a indústria continua perdendo protagonismo na economia brasileira.

O peso da indústria de transformação (que reúne todo o setor manufatureiro) caiu de 11,79% do PIB em 2019 para 11,30% em 2020, se mantendo nesse patamar no 1º trimestre de 2021. Trata-se do menor percentual desde 1947, ano em que se inicia a série histórica das contas nacionais calculadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

série mostra que a indústria vem sofrendo um retrocesso quase contínuo desde o início dos anos 2000, evidenciando tanto as dificuldades de competitividade como também de recuperação das perdas provocadas pela crise da Covid-19. No melhor momento, em 1985, o peso do setor manufatureiro chegou a 24,5% do PIB. Ou seja, de lá para cá a participação encolheu para menos da metade de sua máxima histórica. Veja no gráfico abaixo:

Indústria de transformação perde participação no PIB — Foto: Economia G1

Já a participação da indústria geral (que inclui também extrativa, construção civil e atividades de energia e saneamento) no PIB caiu de 21,4% em 2019 para 20,4% em 2020 e nos 3 primeiros meses deste ano – também nova mínima.

O levantamento, elaborada pela economista Silvia Matos, mostra a evolução da participação dos diferentes setores no PIB brasileiro, excluídos os impostos, utilizando a metodologia de preços correntes corrigidos.

Agro ganha protagonismo com crise da Covid-19

A perda de relevância da indústria no PIB é um fenômeno mundial e estrutural. Nas últimas décadas, em diversos países do mundo, a diminuição do peso do setor manufatureiro tem sido acompanhada por um avanço de setores de serviços destinados a atender uma demanda cada vez maior por atividades como serviços de tecnologia e informação, serviços pessoais, de saúde e educação.

No Brasil, no entanto, o processo de desindustrialização tem sido há tempos classificado como “prematuro”, por se dar numa velocidade mais rápida do que a verificada em outras economias e por ocorrer antes de o país ter atingido um maior nível de desenvolvimento e de renda per capita. Os economistas destacam também que os serviços que mais crescem no país costumam empregar profissionais com pouca especialização e baixos salários.

“O QUE TEM DE NOVIDADE NA PANDEMIA É QUE O AGRONEGÓCIO VEM GANHANDO PROTAGONISMO COMO A GENTE NUNCA VIU. TUDO CAIU, SÓ O AGRO SE BENEFICIOU, FICANDO PRATICAMENTE IMUNE À CRISE NA MAIORIA DOS PAÍSES. O MUNDO CONTINUOU DEMANDANDO MUITO ALIMENTOS, TEVE UM BOOM DE COMMODITIES E É UM SETOR QUE CONTINUA INOVANDO MUITO, COM ADOÇÃO DE TECNOLOGIAS”, AFIRMA A PESQUISADORA DO IBRE/FGV.

O levantamento mostra que o setor de serviços – o mais afetado pelas medidas de restrição para conter a propagação do coronavírus – viu seu peso no PIB cair de 73,5% em 2019 para 71,7% no 1º trimestre de 2021. Já a participação do agronegócio saltou no mesmo período de 5,1% para 7,9% – maior percentual trimestral desde 1996. Veja no gráfico abaixo:

Agropecuária e serviços ganham participação — Foto: Economia G1

Na avaliação da pesquisadora do Ibre, o agronegócio tende a continuar sendo favorecido pela forte e crescente demanda mundial por alimentos como soja, milho e carnes. Mas, com o avanço da vacinação e o gradual fim das medidas de restrição, a tendência é que o setor de serviços volte a recuperar rapidamente uma boa parte da fatia perdida no PIB.

“O SETOR DE SERVIÇOS FOI O QUE MAIS SOFREU. O PAÍS PAROU DE CONSUMIR SERVIÇOS. ENTÃO, ACABANDO A PANDEMIA, O NATURAL É QUE O SETOR VOLTE A CRESCER”, AFIRMA MATOS.

Já para a indústria os desafios são maiores, uma vez que não dependem apenas da reabertura total da economia e da recuperação da demanda interna, mas também do enfrentamento de questões estruturais que se arrastam há anos e de problemas novos como falta de insumos, inflação elevada e aumento do custo do crédito em meio à elevação da taxa básica de juros.

Desafios da indústria para recuperar perdas da pandemia

Matos lembra que a continuidade do processo de desindustrialização durante a pandemia se deu mesmo diante de alguns fatores que beneficiaram segmentos manufatureiros. A forte desvalorização do dólar no ano passado favoreceu as exportações e as mudanças na cesta de consumo dos brasileiros durante a quarentena, por exemplo, impulsionaram as vendas de produtos como material de construção, eletrodomésticos e móveis.

“O resultado da indústria poderia ser até pior”, afirma a pesquisadora, acrescentando que segmentos relacionados ao agronegócio como indústrias de alimentos processados e de máquinas também se deram bem, na contramão da economia e da média do setor.

Pesquisa mensal do IBGE mostrou que a produção industrial brasileira voltou a crescerem maio, após 3 meses consecutivos de queda, mas que o setor ainda eliminou as perdas dos meses de fevereiro, março e abril.

Dos 26 setores acompanhados pelo IBGE, 13 setores, ou seja, metade deles, ainda se encontram abaixo do pré-pandemia. Veja no gráfico abaixo:

Apenas metade das atividades industriais retomaram em maio o patamar pré-pandemia, segundo o IBGE. — Foto: Economia/G1

Baixa produtividade e competitividade

Estudo recente divulgado pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) mostrou que a parcela da manufatura no PIB brasileiro em 2020 ficou 4,7 pontos percentuais (p.p.) abaixo da média global em 2020 e 2,1 p.p. ao excluir a China da média mundial.

“DESDE O INÍCIO DO SÉCULO XXI, O GRAU DE INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRO TEM SIDO MENOR QUE DA ECONOMIA MUNDIAL E ESSA DIFERENÇA VEM AUMENTANDO. EM SÍNTESE, É UM RETROCESSO DE LONGO PRAZO QUE REFORÇA A TESE DE QUE SE TRATA DE UM PROBLEMA ESTRUTURAL COM VÁRIOS COMPONENTES – ENTRE ELES O CUSTO BRASIL – E NÃO CIRCUNSCRITO A APENAS UM GOVERNO”, DESTACOU O IEDI.

A recuperação de um maior protagonismo da indústria na economia é apontada como essencial para o país alcançar maiores taxas de crescimento do PIB e níveis mais elevados de desenvolvimento, uma vez que produtos industriais são os que mais possuem ramificações e conexões com múltiplos setores e pela capacidade de reduzir custos e agregar valor a produtos básicos e por seu papel ofertante e demandante de tecnologias e inovação.

Para Matos, no entanto, mais importante do que elevar o percentual de participação da indústria no PIB, é buscar ganhos de produtividade e uma maior eficiência e competitividade da economia brasileira como um todo.

“O IMPORTANTE É SER EFICIENTE, NÃO IMPORTA EM QUAL SETOR. MAS A PRODUTIVIDADE DO BRASIL É INFERIOR A DE LÁ DE FORA EM TODOS OS SETORES, E A INDÚSTRIA SOFRE MAIS PORQUE É UM SEGMENTO INTENSIVO EM CAPITAL E CADA VEZ MAIS TAMBÉM EM TECNOLOGIA E MÃO DE OBRA QUALIFICADA, E ISSO É UMA CARÊNCIA DO BRASIL”, AFIRMA A ECONOMISTA.

Indústria de SC cresce ao oferecer soluções para indústrias virarem 4.0

Na contramão do setor manufatureiro, a Audaces é exemplo raro de indústria brasileira que tem conseguido crescer mesmo durante a pandemia.

A empresa de Santa Catarina desenvolve softwares e produz maquinários para outras indústrias, sobretudo para o segmento têxtil, e registrou um crescimento de 20% no faturamento em 2020. Com o aumento do número de clientes, o número de funcionários que era de 170 antes do início da pandemia aumentou para 200.

A estratégia é focada na inovação e no desenvolvimento de produtos e soluções que ajudam outras empresas a reduzir custos, automatizar processos e melhorar a eficiência na indústria de moda.

A empresa nasceu em 1992 atuando apenas no desenvolvimento de softwares e, desde 2000, se transformou também em indústria. Atualmente, possui mais de 15 mil clientes em mais de 70 países.

A companhia fabrica máquinas digitais e automáticas para confecções têxteis, e desenvolveu também uma plataforma de gestão com tecnologias que integram desde a etapa de criação de peças e moldes até o controle da ordem de produção, permitindo que dados sejam enviados remotamente, até mesmo de fora da fábrica, para os equipamentos de corte automatizados.

“NÃO É SÓ UMA MÁQUINA QUE CORTA SOZINHA. TEMOS CLIENTES QUE CONSEGUIRAM REDUZIR EM MAIS DE 30% O SEU TEMPO DE CRIAÇÃO DE COLEÇÃO E UMA REDUÇÃO DE MAIS DE 20% DO CONSUMO DE TECIDOS”, AFIRMA O DIRETOR EXECUTIVO MATHEUS FAGUNDES. “QUANDO TEM UMA CRISE, AS EMPRESAS ACABAM OLHANDO PARA DENTRO, COMO PODEM SE TORNAR MAIS EFICIENTE. ENTÃO, NESTE MOMENTO, A GENTE ACABA GANHANDO ESPAÇO E AS NOSSAS SOLUÇÕES TÊM AJUDADO TAMBÉM A INDÚSTRIA A SE TORNAR MAIS 4.0”.

“Não importa quanto a indústria vai ter de participação no PIB. A indústria vai ganhar mais protagonismo se for mais eficiente, não com protecionismo ou subsídio. Por isso, a agenda precisa ser pró-produtividade, de melhora do ambiente de negócios, de reforma tributária, de melhoria da educação e de adoção de tecnologias”, resume Matos.

Fonte: BizNews