A produtora de cimento LafargeHolcim decidiu deixar o país em um momento de recuperação do setor após a forte crise provocada pela recessão de 2014. Para especialistas, incertezas com relação à retomada econômica e a desvalorização do real podem ter pesado na decisão.
As vendas de cimento no país cresceram 11% em 2020, impulsionadas por pequenas reformas durante a pandemia, e iniciam 2021 com alta de 19% no primeiro trimestre, frente ao mesmo período do ano anterior.
A expectativa, porém, é de desaceleração no curto prazo. Para o Snic (Sindicato Nacional da Indústria de Cimento), ao fim do ano o desempenho deve ficar entre 1% e 2% acima do ano anterior. Ainda assim, a perspectiva é que o médio prazo seja ajudado pelo programa de concessões do governo.
A decisão pela venda de ativos é parte de um reposicionamento global da empresa, que deixará alguns mercados para levantar recursos para pagar dívidas. Com as incertezas fiscais e o dólar caro, o Brasil hoje tem desvantagens na comparação com outros mercados.
“Ou fica e aposta que a ociosidade vai cair e vai vender mais e ter lucro, ou vende e sai com dinheiro na mão para remunerar o acionista lá fora”, diz Victor Tâmega, especialista em infraestrutura da Rio Bravo Investimentos.
Ele avalia que a recuperação dos últimos anos e as perspectivas geradas pelas concessões de infraestrutura podem garantir à empresa um maior valor de venda. “Com essa decisão, ela está trocando fluxo de receita futura por receita imediata”, diz.
A desvalorização do real, moeda que mais perdeu valor frente ao dólar após o início da pandemia, aumenta os custos de produção no país ao mesmo tempo em que reduz o valor das transferências de lucro em moeda estrangeira para sua matriz.
O alto custo do coque de petróleo, cujo preço é atrelado ao dólar, é hoje um dos principais problemas enfrentados pelos produtores de cimento, que sofre também com a falta de embalagens para ensacar o produto.
Para especialistas, essas condições podem ter pesado na escolha do Brasil entre os países que terão ativos vendidos, mesmo que as operações sul-americanas da companhia tenham sido as únicas a apresentar crescimento nas vendas em 2020, com alta de 2,4%.
Na divulgação de seu balanço de 2020, a empresa disse ver boas perspectivas para a demanda em 2021, com tendência positiva em todas as regiões em que atua.
A decisão da Lafarge surpreendeu executivos da indústria de cimento, que veem mais um passo num processo de consolidação do setor, que só em 2020 teve duas grandes operações de venda de ativos, das empresas Cimento Elizabeth e CRH.
Esse processo é resultado da grave crise que se abateu na indústria após o início da recessão de 2014, derrubando as vendas da casa de 70 milhões de toneladas em 2014 para perto de 50 milhões de toneladas em 2018.
Apesar da retomada da demanda, o setor ainda tem 33% de suas fábricas fora de operação — em 2015, eram 45%.
A Lafarge tem cinco fábricas e cinco usinas de moagem, com capacidade para produzir cerca de 10 milhões de toneladas por ano, o equivalente a 10% da capacidade total do país. Suas operações estão no Sudeste, no Centro-Oeste e no Nordeste.
O tamanho da empresa pode ser um empecilho à venda dos ativos a um único comprador.
Na avaliação do mercado, o banco Itaú BBA, contratado para buscar interessados, terá que elaborar uma proposta que facilite a aprovação da venda pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Uma das alternativas é oferecer diferentes blocos de ativos.
O setor já tem grande concentração, com a Votorantim dominando cerca de 35% da capacidade nacional de produção. A InterCement, segunda colocada, teria outros 15%, segundo Tâmega, da Rio Bravo Investimentos. Lafarge, com 10%, ocupa a terceira opsição.
Assim, as duas teriam dificuldades para convencer o Cade a aprovar a aquisição do conjunto de operações brasileiras da Lafarge. “Ela está presente em três regiões do Brasil, tem um leque de opções [para modelar a venda]”, diz Tâmega.
Fonte: BizNews