LEONARDO SANCHEZ
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma série nacional da Netflix, em que um policial com um passado de perdas familiares busca respostas pessoais e também para crimes misteriosos que caem nas mãos dele. A sinopse pode até lembrar “Bom Dia, Verônica”, mas, na verdade, pertence a uma nova produção, “Cidade Invisível”.
Se a primeira tinha os pés fincados na realidade e apostava no peso dos dramas que cercavam seus personagens, a série que estreia nesta sexta prefere seguir uma narrativa mais leve e fantástica, ao resgatar as lendas do folclore brasileiro.
“Cidade Invisível” acompanha os passos de um fiscal ambiental, personagem de Marco Pigossi, depois que sua mulher morrer de forma trágica num incêndio florestal. Pouco depois, um boto-cor-de-rosa, animal de água doce, aparece morto nas areias do Rio de Janeiro, o que leva a investigação do mocinho a embarcar num mundo oculto povoado por seres como o curupira e o saci-pererê.
A série é o primeiro projeto com atores de carne e osso de Carlos Saldanha, diretor de animações de sucesso em Hollywood, como “A Era do Gelo” e “O Touro Ferdinando”. Foi o carioca quem levou a ideia à Netflix, depois de muito pensar sobre como poderia fazer sua estreia à frente de um título com atores de verdade.
Da mesma forma que fez no desenho “Rio”, sobre uma arara-azul criada em cativeiro que se aventura pelas belas paisagens da capital fluminense, Saldanha queria, com o novo projeto, falar da cultura brasileira e homenagear sua cidade natal.
Ele encontrou no folclore a oportunidade perfeita de combinar o desejo de explorar novos gêneros com sua experiência no universo lúdico e colorido das animações. “Parti do sentimento de que havia toda uma geração de brasileiros que, diferente da minha, não cresceu com Monteiro Lobato, com a sua interpretação do folclore”, diz ele, por videoconferência.
“Pensei então em fazer algo para essa geração, uma história mais adulta, com fundamentos na realidade. Buscar a essência dessas entidades folclóricas. A gente consome tantas coisas de fora, que falam de viquingues, deuses gregos, sem termos qualquer conexão com elas. Por que não fazer algo do Brasil, com a nossa essência? E se você não conta essas histórias, o folclore vai morrendo, caindo no esquecimento.”
Para conceber “Cidade Invisível”, Saldanha teve ajuda de Januária Cristina Alves, autora do “Abecedário de Personagens do Folclore Brasileiro”, finalista do prêmio Jabuti, que apresentou a ele dezenas de lendas do imaginário popular nacional -mas deu passe livre para que ele adaptasse tudo obedecendo à sua visão para a série.
Nas telas, os personagens foram modernizados e introduzidos à realidade brasileira e aos dias atuais. Saci-pererê é um jovem que mora nas ruas do Rio e que troca a carapuça por uma bandana vermelha. No lugar de uma das pernas, uma prótese o ajuda a esperar sua vez na fila para conseguir um prato de sopa de graça.
Já a Cuca, com ou sem vacina para a Covid-19, não tem aparência de jacaré, nem habita uma caverna no meio da mata. Ela comanda um bar no fervo da Lapa, onde a mixologia dos drinques se confunde com a de suas poções. Tudo foi pensado cuidadosamente para se manter fiel à essência das personagens, mas com adaptações em sintonia com o público mais adulto e com o gênero policial.
Para além de reintroduzir o folclore nacional no imaginário dos brasileiros, Saldanha quis ainda levar essa parte obscura da nossa cultura para fora do país -como fez em “Rio”. O protagonista de “Cidade Invisível”, Marco Pigossi, diz que para ele esse foi um dos pontos altos do projeto.
Em sua terceira série para a Netflix depois de uma saída abrupta da Globo -as anteriores foram a australiana “Tidelands” e a espanhola “Alto Mar”-, o ex-galã de novela comemora o fato de que a iara e o curupira vão ser apresentados ao público dos mais de 190 países em que a plataforma de streaming está presente.
“Para mim sempre vai ser um orgulho falar do meu país. Eu acho que a gente está passando por um momento social, político e econômico muito difícil, mas o Brasil tem muita alma, então eu espero que o mundo possa ver um pouco disso, nesse momento em que as manchetes e a imagem brasileiras não estão muito positivas”, diz, sobre as expectativas em relação a “Cidade Invisível”, projeto que ele chama de “meu xodó”.
Para além de se debruçar sobre as lendas e a magia dos rincões do país, a série ainda carrega um ecologismo latente. Não que isso seja novidade ao tratar do folclore nacional, que tem entre seus maiores astros entidades que são guardiãs das matas e das águas brasileiras. Mas com Pigossi no papel de um policial ambiental, a mensagem parece, aqui, estar mais escancarada.
Inicialmente, sete episódios devem chegar à Netflix, mas Saldanha indica que já está trabalhando numa segunda temporada -“falta de entidade não vai ter”, brinca. Ele aguarda ansioso para saber qual será a reação do público ao dar de cara com essas assombrações e para ver se elas vão emprestar um pouco da sua longevidade e do seu encanto a “Cidade Invisível”.
Cultura
Quarta-feira, 24 de julho de 2024
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