Política
Quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Procuradores do Ministério Público do Rio discutem reação a declaração de Bolsonaro em live

CATIA SEABRA
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) provocou um debate acalorado entre procuradores de Justiça do Rio de Janeiro ao citar, em uma live no último dia 31, a hipótese de o filho de um integrante do Ministério Público ter sido delatado por tráfico de drogas.
Em um grupo de WhatsApp, procuradores cobraram uma manifestação do procurador-geral de Justiça do estado, José Eduardo Gussem, cogitando interpelar o presidente da República.
Nas conversas, que invadiram o fim de semana, os integrantes do Ministério Público divergiram sobre a proposta de convocação do Órgão Especial do Colégio de Procuradores de Justiça para analisar a pertinência da interpelação. Gussem foi um dos que discordaram da ideia.
A fonte da controvérsia está na declaração feita por Bolsonaro na transmissão em redes sociais no dia 31 de dezembro.
Ao falar das investigações sobre suposto esquema de “rachadinha” no antigo gabinete de seu primogênito, o hoje senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), na Assembleia Legislativa do Rio, o presidente questionou a imparcialidade do Ministério Público fluminense.
Dirigindo-se à Promotoria, Bolsonaro mencionou a hipótese de o filho de uma autoridade do Ministério Público ser acusado de tráfico. E questionou: “O que aconteceria, MP do Rio de Janeiro? Vocês aprofundariam a investigação ou mandariam o filho dessa autoridade para fora do Brasil e procurariam maneira de arquivar esse inquérito?”.
“Caso hipotético, vamos deixar claro”, continuou o presidente. “Caso um filho de uma autoridade entrasse num inquérito da Polícia Civil do Rio e aí um delator tivesse falado que ele participava de tráfico internacional de drogas. O que aconteceria?”
Incitado a dar uma resposta, Gussem recomendou serenidade aos colegas. Segundo relatos, o procurador-geral disse não trabalha com ficção e que cogitar interferências de cúpula em pareceres seria desconhecer a atuação do Ministério Público.
No grupo, um procurador afirmou que Bolsonaro pretendia desfocar as investigações que alcançaram sua família e ofuscar a pecha de pessoa corrupta do ano que recebeu de uma entidade da imprensa internacional.
Procurado, o Ministério Público do Rio de Janeiro afirmou que “a fala do presidente da República (31/12) não altera em nada as investigações em curso”.
“A instituição atua de forma técnica, ética, com observância aos princípios constitucionais e legais e com absoluta discrição. Caso o presidente da República ou qualquer outra pessoa vislumbre desídia, favorecimento ou prevaricação por parte de membro do MP-RJ deverá provocar a atuação dos órgãos de controle da instituição, entre eles o Conselho Nacional do Ministério Público e a Corregedoria-Geral do próprio MP-RJ”, disse a Promotoria, em nota.
“Vale destacar que o direito de petição está ao alcance de qualquer pessoa e é o instrumento constitucional a ser utilizado contra ilegalidade ou abuso de poder. De modo correlato, ao ser formalizado, permite a responsabilização dos respectivos autores caso a manifestação seja desprovida de provas, tendo o propósito, único e exclusivo, de macular a honra alheia”, finaliza o texto.
Flávio Bolsonaro é acusado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro de liderar uma organização criminosa para recolher parte do salário de seus ex-funcionários na Assembleia Legislativa em benefício próprio.
Uma denúncia foi oferecida contra ele e outras 16 pessoas em outubro ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça, composto por 25 desembargadores.
Segundo os investigadores, foram desviados R$ 6,1 milhões entre 2007 e 2018 por meio de funcionários fantasmas empregados no antigo gabinete de Flávio, então deputado estadual. Parte desse dinheiro, diz o MP-RJ, foi usado para pagar despesas pessoais do filho do presidente.
O operador financeiro desse esquema, segundo os investigadores, é o policial militar aposentado Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio na Assembleia e amigo do presidente há mais de 30 anos.
Juridicamente, ainda há a possibilidade de que o senador não seja sequer declarado culpado ou inocente. A defesa de Flávio tenta anular as provas do caso no STJ (Superior Tribunal de Justiça), o que poderia encerrar o caso antes de um julgamento.