JULIA CHAIB E RENATO MACHADO
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A instável relação entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e seu vice, Hamilton Mourão, entrou nos últimos dias em uma nova fase de divergências e críticas abertas, levando militares do Planalto a pedirem para o general submergir.
O episódio mais recente das rusgas foi a proposta que consta de uma apresentação do Conselho Nacional da Amazônia Legal, presidido por Mourão, na qual está prevista a expropriação de propriedades nos casos de crimes ambientais.
O documento prevê o encaminhamento de uma PEC (proposta de emenda Constitucional) em maio do próximo ano para autorizar expropriação de propriedades rurais e urbanas acometidas de crimes ambientais ou decorrentes de grilagem ou de exploração de terra pública sem autorização.
Além disso, a ideia é reduzir verbas de municípios que desmatam.
Sem citar o nome do vice-presidente, Bolsonaro falou que poderia demitir o integrante do seu governo que apresentasse essa proposta, a não ser que se tratasse de alguém “indemissível”.
“Ou é mais uma mentira ou alguém deslumbrado do governo resolveu plantar esta notícia. A propriedade privada é sagrada, não existe nenhuma hipótese neste sentido”, afirmou o presidente ao deixar o Palácio da Alvorada na manhã desta quinta-feira (12).
“Se alguém levantar isso aí eu simplesmente demito do governo. A não ser que esta pessoa seja indemissível”, disse.
O assunto voltou a ser comentado durante transmissão ao vivo em suas redes sociais no mesmo dia, quando o presidente disse que era caso de “cartão vermelho”, se fosse uma pessoa demissível -Mourão foi eleito, portanto não pode ser demitido por Bolsonaro.
Após as manifestações de Bolsonaro, Mourão disse que se “penitencia” por não ter colocado os documentos que mencionam a proposta em sigilo.
Afirmou também que eram apenas de “ideias” discutidas pelos ministérios, que não devem avançar. Terminou falando que, se fosse presidente, também estaria “extremamente irritado” com a situação.
A sequência de estocadas do presidente em Mourão fez com que militares bombeiros do Planalto entrassem novamente em ação para baixar a temperatura.
O pedido foi, mais uma vez, para o vice-presidente evitar falar de temas que digam respeito ao presidente e reduzir suas falas à imprensa.
No ano passado, em outro momento no qual Mourão e Bolsonaro trocavam rusgas públicas, assessores presidenciais também tiveram que interferir para evitar a escalada da crise.
Para assessores presidenciais, a fase atual de atrito não ocorre porque houve aumento na insatisfação de Bolsonaro com o parceiro de chapa, mas porque o presidente estava havia muito tempo calado.
Desde o meio do ano, o mandatário, diante de brigas com o Congresso e Judiciário, passou a adotar tom menos bélico de um modo geral. Nesta semana, ele retomou seu perfil agressivo em diversas declarações.
As críticas a Mourão, avaliam integrantes do Planalto, se relacionam com este momento do presidente, que, segundo eles, não é possível afirmar se passará cedo ou tarde.
A questão da proposta de expropriar terras foi apenas o mais recente foco de atrito entre os dois militares.
Recentemente, Bolsonaro já havia desautorizado seu vice por declarações referentes às eleições americanas, à vacina de origem chinesa, ao leilão do 5G, entre outros assuntos.
A irritação do presidente com seu vice vem sendo manifestada mesmo quando Mourão atua para contornar a pressão em cima de Bolsonaro.
O atual governo tem sido duramente criticado por não ter se manifestado sobre as eleições presidenciais americanas, vencidas pelo democrata Joe Biden.
Ao ser questionado sobre o silêncio de Bolsonaro, Mourão afirmou que o presidente aguardava terminar o “imbróglio” em relação ao resultado para em seguida se posicionar.
“Eu julgo que o presidente está aguardando terminar esse imbróglio aí, de discussão se tem voto falso, se não tem voto falso, para dar o posicionamento dele”, disse o vice-presidente.
“É óbvio que o presidente na hora certa vai transmitir os cumprimentos do Brasil a quem for eleito.”
Bolsonaro disse que as declarações de Mourão representavam apenas a “opinião” dele e que não havia conversado com Mourão sobre assuntos dos Estados Unidos, como “não tenho falado sobre qualquer outro assunto com ele”, afirmou à CNN.
Em outras duas situações, Mourão afirmou que o Brasil iria adquirir a vacina contra a Covid-19 Coronavac –parceria do Instituto Butantan com o laboratório chinês Sinovac- e também falou que o leilão para o 5G levaria em conta critérios técnicos, sem restrições à origem da tecnologia oferecida.
Em ambos os casos, Bolsonaro afirmou em seguida que a decisão era dele.
Além de críticas públicas, Bolsonaro demonstra frequentemente insatisfação com o comportamento de Mourão a seus interlocutores.
Como a Folha mostrou, o presidente inclusive já manifestou a aliados próximos que não pretende concorrer à reeleição tendo seu atual vice como companheiro de chapa. Uma saída “honrosa” para Mourão seria lançá-lo candidato a governador do Rio Grande do Sul.
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