Cultura
Quinta-feira, 2 de maio de 2024

Estreante prova talento em filme que alia fantasia e visual poético

SÉRGIO ALPENDRE
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um mundo de fantasmas, náufragos e bruxas é o que nos apresenta o cineasta Lois Patiño em seu longa de estreia, “Lua Vermelha”. Oriundo da videoarte, Patiño soube trazer para o cinema um nível de experimentação que ele consegue aliar muito bem à capacidade de narrar.
Na trama, um navio encalha na costa da Galícia. Rubio, um dos moradores do vilarejo mais próximo, desaparece. Três bruxas surgem para tentar encontrar o desaparecido, mas o que elas encontram são fantasmas. Elas os cobrem com lençóis, transformando-os em fantasminhas, como os de histórias infantis. Um tempo depois, Rubio retorna. Estará vivo?
Em linhas gerais, o parágrafo anterior é apenas uma pálida descrição do que acontece no filme. Porque Patiño está muito mais interessado no mistério e na atmosfera onírica do que no desenrolar de uma trama compreensível pelo espectador. Sua linguagem é poética, e sua poética é fantástica.
As paisagens belíssimas e diferentes da costa espanhola permitem esse nível de estranheza em que névoas, luzes vermelhas e até o vento parecem carregar algo místico, de uma outra dimensão.
A natureza morta em interiores escuros e envelhecidos, os túneis e a represa, a natureza e seus acidentes geográficos, os fenômenos meteorológicos: a forma como o vento, as águas, os interiores são filmados por Patiño o afasta de Pedro Costa, que o filme faz lembrar de início, e o conecta a Andrei Tarkovski e Alexander Sokurov. Da natureza à abstração.
Ouvimos os pensamentos dos solitários habitantes locais. Aceitamos naturalmente o teor poético desses pensamentos porque estamos num espaço-tempo alternativo, um outro mundo, algo como o oceano do “Solaris” de Tarkovski, no qual mergulhamos para uma investigação mais detalhada.
A insistência em mostrar os fantasminhas irrita um pouco. O efeito é interessante no início, pelo inusitado, depois começa a se tornar mais infame, um tanto deslocado do tom mais soturno do longa e das vozes que ouvimos.
O mistério é o forte do filme, e tudo que se afasta desse mistério o enfraquece. Pedro Costa é mais terreno, social, político. Patiño é espiritual, soturno, enevoado. A lua vermelha desperta os fantasmas, que passam a vagar entre os fantasminhas, num mundo então avermelhado como se embebido em vinho tinto.
“Lua Vermelha” é um filme forte, de imagens intensas, extremamente controlado –o que pode desagradar alguns. Revela finalmente o talento de seu diretor. Lois Patiño é um nome a ser seguido de perto.