FÁBIO ZANINI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em março, quando a pandemia da Covid-19 se alastrava pelo mundo, a primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, 40, foi ao Parlamento e fez um pedido aos cerca de 5 milhões de habitantes de seu país. “Sejam fortes, mas sejam gentis, e ficaremos bem”.
Dois meses depois, durante uma entrevista à TV, ela sentiu um terremoto e explicou ao vivo aos espectadores o que estava acontecendo: “Uma sacudida bem razoável aqui”.
As duas frases viraram meme e estão estampadas em camisetas e máscaras à venda no país. Mostram a força da imagem pessoal de Jacinda e explicam como a eleição que ocorre neste sábado (17) se transformou em uma espécie de referendo sobre a líder.
“Ela agora é uma figura celebrada globalmente. Seu puro carisma já parecia difícil de ser vencido mesmo antes dos últimos acontecimentos”, escreveu o professor de ciência política Grant Duncan, da Universidade Massey, no site da instituição. “Desfazer o efeito Jacinda”, diz Duncan, “virou um inferno para a oposição”.
No cargo há três anos, ela viveu diversos episódios que consolidaram sua imagem como uma política com empatia e sensibilidade. No segundo ano de seu mandato, engravidou e não abriu mão de tirar seis semanas de licença maternidade. Deixou o país na mão de seu vice.
Em 2019, foi elogiada ao transmitir sentimentos de conciliação e união nacional a uma população traumatizada com o massacre de 51 pessoas por um extremista em duas mesquitas na cidade de Christchurch. Após a matança, armas semiautomáticas foram banidas no país.
Nada que se comparasse, no entanto, a como ela lidou com a pandemia, o que projetou seu nome internacionalmente. A Nova Zelândia virou exemplo mundial de combate à doença, com quarentena rígida, ampla testagem e uma estratégia de comunicação eficiente. Em pesquisa de opinião da Universidade Massey em julho, a primeira-ministra recebeu nota 8,45 numa escala de 0 a 10 por seu desempenho contra a Covid-19.
Até esta quinta-feira (15), o número de mortos estava em 25 e a doença parece controlada, apesar de novas quarentenas pontuais que vêm sendo decretadas no país quando surgem novos casos.
A última pesquisa antes da eleição deu 46% para os trabalhistas de Jacinda contra 31% para o Partido Nacional, de centro-direita. Mas ela hoje é maior do que o partido. Quando a pergunta é sobre quem os neozelandeses preferem ver como primeiro-ministro a atual chefe de governo obtém 55%, contra 20% da opositora Judith Collins.
Por isso, a própria primeira-ministra investe em personalizar a votação, algo incomum em sistemas parlamentaristas. Após o debate final da campanha, ela disse que, se não vencer a eleição, deixará a linha de frente da política.
“Minha mensagem é, se as pessoas não querem me ver renunciando [à liderança do partido], então votem nos trabalhistas”, afirmou.
Em 2017, Jacinda chegou ao cargo de primeira-ministra em uma situação de fragilidade. Sua legenda ficou atrás do Partido Nacional e só formou o governo após uma aliança heterodoxa com o Partido Verde e o populista Nova Zelândia Primeiro, que defende restrições à imigração, endurecimento do combate ao crime e menos direitos para a minoria maori.
Se as pesquisas se confirmarem, ela agora poderá fazer um governo mais acentuadamente de centro-esquerda, apenas com a legenda ambientalista como parceira, sem o desconfortável apoio dos populistas.
A esperança da oposição de pelo menos evitar uma derrota avassaladora está em Collins. Ex-ministra de governos de centro-direita, ela tem a simpatia de setores econômicos e um discurso forte de segurança. Também é uma debatedora experiente, que procura projetar uma imagem de profissionalismo, ao mesmo tempo em que caracteriza a primeira-ministra como uma idealista ineficiente.
Em um dos debates da campanha, a opositora conseguiu colocar Jacinda nas cordas ao explorar sua ambiguidade sobre a descriminalização do consumo de maconha, que será objeto de um referendo no dia da eleição.
Collins tem defendido menos impostos para reavivar a economia, que deve sofrer um tombo de 6% em 2020. No debate final, prometeu que fará do país a “Suíça do Pacífico”, com investimentos em desregulamentação e no setor de tecnologia.
Mas a opositora enfrenta diversos obstáculos, a começar da desunião de seu partido. Collins virou líder há meros três meses, após uma série de disputas internas na legenda. Ela sofre ainda concorrência no campo da direita do ACT, um partido defensor do liberalismo que aparece com 8% nas pesquisas.
Já a primeira-ministra é vulnerável a ataques vindos de setores progressistas. Ela é criticada por não ter feito o suficiente para combater o aumento do racismo praticado contra a influente minoria de origem asiática que vive no país, estimada em cerca de 5% da população.
Esse sentimento se acentuou em razão do novo coronavírus, surgido na China.
A mesma pesquisa da Universidade Massey que mostrou a população satisfeita com a primeira-ministra revelou que 24% dos entrevistados disseram que provavelmente deixarão de comer em restaurantes chineses. O mesmo percentual afirmou que se recusaria a entrar em um Uber caso o motorista tivesse nome chinês.
Para tentar mitigar o problema, o governo criou uma campanha nas redes sociais pedindo que a população mude suas atitudes cotidianas, até na hora de fazer piadas. Com o nome “Racismo não é piada”, é estrelada pelo comediante James Roque, de origem filipina.
Além disso, há críticas de que não foram cumpridas promessas de combater a pobreza, que atinge sobretudo imigrantes de ilhas do Pacífico e a etnia maori, de 15% da população neozelandesa.
Os opositores também torcem por um improvável desgaste na imagem de Jacinda. No fim de setembro, isso pareceu possível por um momento, quando ela foi criticada por tirar selfies com eleitores sem uso de máscara e teve de pedir desculpas.
Mas o deslize não abalou a força do jacindismo, nem o sorriso permanente da favorita para vencer de lavada quando os votos forem contabilizados.
Internacional
Domingo, 15 de setembro de 2024
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