JOSÉ MARQUES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Candidata a vereadora em São Paulo pelo PSOL, Keit Lima tem uma lista de motivos pelos quais considera estar dentro dos critérios do partido para receber recursos do fundo eleitoral que acha justos para sua campanha.
É mulher, preta, faz parte da Marcha das Mulheres Negras, tem 17 mil seguidores no Instagram e é integrante da Educafro, ONG que, junto com o PSOL, acionou o STF (Supremo Tribunal Federal) a fim de que a cota para negros fosse aplicada na eleição deste ano.
Ela também trabalhou com a Bancada Ativista, mandato coletivo do partido que se elegeu em 2018 à Assembleia Legislativa de São Paulo.
Mas Keit se decepcionou ao descobrir que o partido só pretendia colocar cerca de R$ 9.000 em sua campanha. Ela acabou alocada na última das divisões que o PSOL paulistano criou para distribuir o fundo eleitoral entre os candidatos, a faixa D, que é descrita como “básico para as demais candidaturas”.
O caso dela não é isolado entre candidatos da sigla que disputam um espaço em Câmaras Municipais neste ano. Mesmo insatisfeitos com a divisão do fundo, todos ressaltam que apoiam o estatuto e as ideias do PSOL, mas veem contradições e falta de transparência da cúpula de diretórios ao decidirem distribuir os recursos aos quais têm direito.
Muitas vezes, reclamam os candidatos, as melhores partes do bolo ficam para quem é ligado a determinadas correntes ou políticos que têm predominância dentro da legenda.
Keit chegou a apresentar um pedido de solicitação de revisão da verba, mas diz que nunca obteve retorno.
“O valor oferecido pelo partido à minha candidatura é uma ofensa não só a mim, mas a toda a coletividade de mulheres negras que por várias razões não constroem diretamente o partido, mas constroem movimentos de base”, afirmou na carta.
Em comparação, cada um dos dois atuais vereadores paulistanos do partido, Toninho Vespoli e Celso Giannazi, ambos homens brancos, receberão aproximadamente R$ 100 mil.
Outras candidaturas consideradas pelos filiados como mais próximas aos setores que têm mais influência dentro do PSOL receberão entre R$ 45 mil e R$ 62 mil.
Keit diz que tentou marcar diálogos com a direção partidária, sem respostas. “Não dá para um partido ficar gritando ‘Marielle vive’ e não dar estrutura para mulheres negras serem eleitas.”
A divisão de recursos prevista pelo PSOL paulistano foi distribuída em uma planilha a candidatos após cobranças de transparência, e leva em conta, antes de tudo, faixas de prioridade que vão de A a D.
Essas faixas consideram se a pessoa tem mandato, se é suplente e se é uma candidatura avaliada como de potencial.
Dentro dessas faixas, também é levado em conta se a pessoa é negra, se é indígena ou quilombola, o gênero, se é LGBT, se tem deficiência e se concorre à reeleição.
Mas, na prática, candidatos não veem essa objetividade. “Os critérios [de distribuição] são flexíveis e subjetivos”, afirma Robson Salvador, o Professor Robson, que é candidato em uma chapa coletiva de pessoas LGBT.
“Temos um negro no coletivo, o Vinícius, e eu já fui candidato a deputado federal em 2018 e sou suplente”, afirma Robson. Ainda assim, acabaram na faixa C, de “candidaturas com visibilidade e potencial de acúmulo” e não na B1, onde estão os suplentes, ou na B2, de “prioritárias com visibilidade e potencial”.
Também candidata em São Paulo, com uma plataforma voltada à periferia, Shirlley Lopes caiu na faixa D. A previsão é que sejam destinados a ela R$ 6.600 do fundo eleitoral.
Ela questiona a diferença de verba que deve ganhar em relação a outros candidatos, especialmente homens que tentam a reeleição.
“É ultrajante estar recebendo 5% do que um homem que já tem todo privilégio por já estar no cargo, por ser homem branco, funcionário público etc. [recebe].”
As reclamações de candidatos têm aparecido também no Rio de Janeiro. Candidata a deputada estadual em 2018, Thais Ferreira teve mais de 24 mil votos e ficou na primeira suplência do partido. Porém, só conseguiu concorrer a vereadora neste ano após recorrer à executiva nacional para ter direito a uma legenda.
Ela afirma que não sabe o real motivo para a negativa, mas aponta que há desconfiança do partido sobre ela porque participou de cursos de renovação eleitoral, como RenovaBR e Raps (Rede de Ação Política Pela Sustentabilidade), antes de se filiar ao PSOL.
“Quando o PSOL carioca me isola ou inviabiliza ele também está fazendo isso com a minha base que é popular e deveria ser valorizada pelo partido ainda mais na conjuntura que nós de esquerda estamos enfrentando”, diz Thais.
Ressalta, porém, que sua crítica não tem como intenção esvaziamento ou enfraquecimento da sigla.
Procurado, o PSOL da cidade do Rio de Janeiro afirma que “após intensos debates” decidiu não conceder legenda a Thais Ferreira, “pois avaliou que suas relações políticas se davam prioritariamente com outros partidos e não o PSOL, haja vista ter composto mandato da Rede em São Paulo ao longo dos anos de 2019 e 2020”. O PSOL de São Paulo não se manifestou.
Política
Sexta-feira, 20 de setembro de 2024
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