LEONARDO SANCHEZ
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Aos nove anos de idade, Mara Wilson se envolveu numa briga e ouviu, da porta de seu quarto, a seguinte frase: “Gritar com você? Eu vou até aí e vou te dar uma surra! O que eu tenho que fazer para ganhar respeito por aqui?”.
Poderia ser só uma discussão familiar protagonizada por um pai agressivo, mas tudo não passava de ficção. Assim que o autor daquelas palavras irritadas avançou em direção à pequena, sua porta se fechou, como num passe de mágica.
Pouco depois, vemos ela dançando enquanto diversos objetivos flutuam ao seu redor. A cena se tornou uma das mais famosas de “Matilda”, sucesso do cinema infantil que ajudou Wilson a se estabelecer como um dos rostos mais conhecidos dos anos 1990, apesar da pouca idade.
Ela já havia feito sua estreia no cinema três anos antes, em outro grande sucesso, “Uma Babá Quase Perfeita”. E foi atrás de câmeras e refletores que Wilson, atualmente com 33 anos, passou boa parte da sua infância. Ela é uma das hoje envelhecidas estrelas mirins que aparecem em “Showbiz Kids”, documentário da HBO dirigido por Alex Winter –ele próprio um antigo “showbiz kid”.
“Eu tive ótimos momentos filmando ‘Matilda’ e uma coisa boa do filme é que havia muitas crianças ao redor. Quando crianças se juntam, elas conseguem vivenciar mais as alegrias da infância. E no set eu me sentia muito encorajada a aprender”, diz Wilson em entrevista por videoconferência.
Mas “Showbiz Kids” também mostra o lado negativo de ser uma criança em Hollywood. A partir de uma série de entrevistas, a produção aborda os traumas que uma exitosa e precoce carreira na atuação pode trazer, tocando em temas que vão do bullying na escola até abuso sexual.
Para Wilson, que já escreveu um livro sobre sua carreira, existem muitas ideias erradas sobre ser um astro mirim. Segundo a atriz, as pessoas não entendem que há um lado ruim dessa exposição e que nem tudo é tão glamoroso quanto parece.
“Eu queria discutir essa questão no meu livro e agora no documentário, e combater essas ideias, porque precisamos mostrar para as pessoas como realmente é viver essa vida. Há muito mal entendido em relação a isso”, diz.
No caso da atriz, a parte negativa de trabalhar tão cedo veio com a exposição e a maneira como a mídia e o público se referiam a ela. Os sets eram divertidos e seus pais tentavam manter a normalidade quanto à sua fama, mas o mundo exterior, diz ela, era hostil para alguém ainda tão jovem.
“Eu acho que muito da minha experiência negativa veio com a fama e as expectativas que ela traz. Eu não cheguei a ser sexualizada, mas isso acontece com muitos atores mirins conforme eles crescem”, afirma.
“Quando eu cheguei à adolescência, eu já não era fofa, então isso acabou sendo algo bom, porque eu não passei por essa fase de pressão pela qual muitas crianças, especialmente as meninas, passam em relação a serem sexualizadas. Mas eu me senti, sim, muito insegura, porque muitas pessoas achavam que era normal me dizer que eu era feia ou estranha naquela idade.”
Além de Wilson, também aparecem no longa nomes como Evan Rachel Wood, Milla Jovovich, Wil Wheaton, Jada Pinkett Smith e Henry Thomas, o garotinho de “E.T.: O Extraterrestre”. Alguns deles foram bem-sucedidos na transição da infância para a vida adulta enquanto atores, mas outros estão mais distantes dos holofotes, como a protagonista de “Matilda”.
Outra presença notável no documentário é a de Cameron Boyce, estrela da Disney que morreu no ano passado, aos 20 anos, após uma convulsão durante o sono. É justamente dele que parecem vir as palavras mais gentis e entusiasmadas sobre aquele mundo cinematográfico que cerca os artistas entrevistados.
Ele, um dos rostos mais jovens de “Showbiz Kids”, é de uma geração que cresceu em um ambiente mais seguro, de acordo com Wilson. A estrela de “Matilda” acredita que hoje em dia as crianças estão menos expostas a riscos nos sets de filmagem, também graças ao MeToo.
“Eu acho que hoje as coisas estão diferentes e eu acho que estamos mais cientes dos perigos agora, porque há muita gente que pode se aproveitar de crianças e coisas horríveis podem acontecer”, diz. “Atualmente as crianças estão mais protegidas que nos anos 1980 e 1990.”
“Showbiz Kids” vai a fundo nesse cenário contemporâneo ao acompanhar atores mirins de hoje e segue, por exemplo, uma família da Flórida que vai a Los Angeles para tentar abocanhar um papel para o filho em alguma série de televisão. Mas o garoto nem sempre parece contente com os inúmeros testes que faz. Para eles, Wilson tem um recado.
“Atores mirins deveriam estar no ramo porque querem, por causa da experiência artística ou porque gostam de imitar personagens. Mas quando deixa de ser uma diversão, eles deveriam pular fora. Há vários esquemas para pais enriquecerem com isso e eu entendo que há muitas pessoas que querem ser famosas ou ricas, eu entendo o apelo. Mas atuar durante a infância deve ser algo feito por amor.”
Ela já questionou o quanto de amor estava envolvido em sua carreira infantil. Wilson explica que, durante certo tempo, se arrependeu de ter alcançado a fama ainda tão jovem –mas que, hoje, ela tem boas memórias do período.
“Houve dias em que eu me arrependia de ter sido uma estrela mirim, mas hoje não mais. Eu tive boas experiências, pude interpretar a Matilda, que é uma personagem que eu amo, e, num nível mais prático, juntei dinheiro para pagar minha faculdade e viajei o mundo.”
Cultura
Quarta-feira, 11 de setembro de 2024
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