MARINA DIAS
WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – Barack Obama fez nesta quarta-feira (19) seu discurso público mais forte contra Donald Trump. Durante a terceira e mais esperada noite da convenção democrata, o ex-presidente afirmou que a democracia dos EUA está em jogo com Trump à frente da Casa Branca e que o republicano nunca levou o trabalho a sério, tratando o mais alto cargo do Executivo como um “reality show”.
Em uma fala de 20 minutos, Obama fez um apelo por união em torno de Joe Biden, sob o argumento de que somente seu ex-vice-presidente pode tirar o país de uma crise histórica, em meio à pandemia que já matou mais de 172 mil americanos.
“Eu esperava, pelo bem de nosso país, que Donald Trump pudesse mostrar algum interesse em levar o trabalho a sério, que pudesse sentir o peso do cargo e descobrir alguma reverência pela democracia que havia sido colocada sob seus cuidados”, disse Obama.
“Mas ele nunca o fez. Ele não demonstrou interesse em trabalhar, nenhum interesse em encontrar um terreno comum, nenhum interesse em usar o incrível poder de seu cargo para ajudar ninguém além de si mesmo e seus amigos, nenhum interesse em tratar a Presidência para além de mais um reality show que ele pode usar para obter a atenção que deseja.”
Obama disse ainda que não tinha expectativas de que Trump abraçasse suas visões de mundo e desse continuidade às suas políticas, mas a maneira desgovernada com que seu sucessor vem conduzindo o país -principalmente ao minimizar a pandemia- aprofundou crises e colocou a democracia em jogo.
“Trump não cresceu neste trabalho porque não pode. E as consequências dessa falha são graves: 170 mil americanos mortos, milhões de empregos perdidos, nossos piores impulsos se desencadearam, nossa reputação de orgulho ao redor do mundo diminuiu drasticamente e nossas instituições democráticas foram ameaçadas como nunca.”
Quando foi escalado para a penúltima noite da convenção que oficializou Biden candidato, Obama sabia que tinha um desafio duplo: desconstruir a imagem de Trump de maneira assertiva e unir eleitores de todos os espectros políticos e sociais em torno de seu ex-vice.
Primeiro presidente negro da história americana, Obama conseguiu vencer as eleições de 2008 e 2012 com um arco de apoio abrangente, que alcançou de jovens e negros a moderados e independentes. Neste ano, o objetivo de Biden é repetir o feito e tentar reconquistar o primeiro grupo que, em 2016, não se mobilizou a votar em Hillary Clinton. Isso sem perder de vista parte do segundo que, dizendo-se cansada da política tradicional, optou por Trump há quatro anos.
Nesta quarta, Obama abraçou mais uma vez o papel conciliador e falou inclusive aos indecisos. “Estou bem ciente de que, em tempos tão polarizados como estes, a maioria de vocês já se decidiu. Mas talvez você ainda não tenha certeza em qual candidato vai votar -ou se vai votar. Talvez você esteja cansado da direção que estamos tomando, mas ainda não consegue ver um caminho melhor ou, simplesmente, não sabe o suficiente sobre a pessoa que quer nos levar até lá.”
Em seguida, apresentou Biden, a quem chamou de irmão, e o único capaz de reconstruir e reunificar o país em tempos sombrios.
“Nesta noite, estou pedindo que você acredite na capacidade de Joe e Kamala [pronuncia-se Kâmala Harris, candidata a vice] de liderar este país em tempos difíceis e reconstruí-lo melhor”, afirmou o ex-presidente.
“Mas o problema é o seguinte: nenhum americano sozinho pode consertar este país. A democracia nunca foi feita para ser transacional, você me dá o seu voto, eu faço tudo melhor. Portanto, também peço que você acredite em sua própria capacidade, de assumir sua própria responsabilidade como cidadão, para garantir que os princípios básicos de nossa democracia perdurem. Porque é isso que está em jogo agora: nossa democracia.”
O ex-presidente também chamou a atenção para a importância do voto -que não é obrigatório para os americanos- e disse que Trump tenta dificultar o acesso às urnas para permanecer no poder.
O republicano tem feito uma campanha forte contra o voto por correio, por exemplo, dizendo que isso pode levar a fraudes históricas na eleição. Não há provas, porém, que haja manipulação nas cédulas por correio, que pode ser uma prática fundamental para eleitores durante a pandemia.
“Este presidente e aqueles que estão no poder, aqueles que se beneficiam de manter as coisas como estão, eles contam com o cinismo. Eles sabem que não podem conquistar você com suas políticas. Portanto, esperam tornar o mais difícil possível para você votar e convencê-lo de que seu voto não importa”, disse Obama. “É assim que uma democracia definha, até que não haja mais democracia. Não podemos deixar isso acontecer. Não os deixe tirar seu poder. Não os deixe tirar sua democracia. Faça um plano agora para como você vai se envolver e vote.”
Ao apontar o desgoverno de Trump, Obama usou a história pessoal de Biden como principal credenciadora para alçar seu ex-vice à Casa Branca.
Biden perdeu a primeira mulher e uma filha de pouco mais de um ano em um acidente de carro na década de 1970 e, quase quatro décadas depois, mais um filho, vítima de um câncer no cérebro.
Com experiência e empatia com a dor do povo americano, argumenta Obama, Biden também pode reconstruir os EUA em um de seus momentos de maior dificuldade.
“Joe e eu viemos de lugares diferentes e de gerações diferentes. Mas o que logo passei a admirar nele é sua resistência, nascida de muita luta, sua empatia, nascida de muito sofrimento. Joe é um homem que aprendeu desde cedo a tratar cada pessoa que encontra com respeito e dignidade, vivendo pelas palavras que seus pais lhe ensinaram: ‘Ninguém é melhor do que você, mas você é melhor do que ninguém.'”
Para mostrar proximidade com o ex-vice e lembrar aos seus apoiadores o elo entre eles, Obama disse que Biden o fez um presidente melhor.
“Ao longo de oito anos, Joe era o último na sala sempre que eu enfrentava uma grande decisão. Ele me tornou um presidente melhor. Ele tem o caráter e a experiência para nos tornar um país melhor.”
A penúltima noite da convenção democrata, nesta quarta, foi batizada de “Uma união mais perfeita”, assim como o discurso de Obama em 2008, quando ele ainda estava disputando a nomeação do partido à Presidência.
Foi ali a primeira vez que Obama falou sobre as questões raciais dos EUA e a profundidade das divisões que via no país. Hoje, afirma o democrata, essas diferenças sociais, econômicas e raciais foram ainda mais aprofundadas pelo governo Trump, que amplia o racismo e dissemina o ódio.
O discurso de Obama, ao lado do de Kamala, eram os mais esperados da noite desta quarta. O primeiro presidente negro dos EUA e a primeira mulher negra a disputar a vice-presidência por um grande partido estavam sob holofotes em uma época em que a sociedade americana vive um grande acerto de contas racial.
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