ANA LUIZA ALBUQUERQUE E CATIA SEABRA
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio aceitou pedido de habeas corpus do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e concedeu a ele foro especial.
Assim, o processo que investiga a prática de “rachadinha” no gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio sairá das mãos do juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal, e irá para o Orgão Especial do TJ, colegiado formados por 25 desembargadores.
Os desembargadores Paulo Rangel e Monica Tolledo votaram por aceitar o pedido de Flávio. A desembargadora Suimei Cavalieri se posicionou pela manutenção do processo na primeira instância.
Foi Itabaiana quem autorizou a quebra do sigilo fiscal e bancário do senador e a prisão de Fabrício Queiroz, detido na última quinta-feira (18). A 3ª Câmara Criminal decidiu, ainda, que as medidas autorizadas pela 27ª Vara continuam a valer com a transferência do processo para o Órgão Especial.
O pedido assinado pela advogada Luciana Pires questionou a competência da primeira instância para julgar o caso. A advogada argumentou que Flávio era deputado estadual na época dos fatos e que, portanto, teria foro especial.
Em nota, a defesa de Flávio Bolsonaro informou que insistirá junto ao Órgão Especial pela anulação de todas as decisões e provas obtidas desde o início das investigações.
“A defesa sempre esteve muito confiante neste resultado por ter convicção de que o processo nunca deveria ter se iniciado em primeira instância e muito menos chegado até onde foi”, diz o texto.
No Órgão Especial, o relator poderá decidir monocraticamente sobre a anulação das decisões de Itabaiana, ou poderá levar o pedido para ser votado em plenário.
Com a transferência do processo para a segunda instância, a investigação também sairá das mãos dos promotores do Gaecc (Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção) e irá para a alçada do procurador-Geral de Justiça, Eduardo Gussem.
Embora a 3ª Câmara Criminal tenha mantido as decisões tomadas em primeira instância, o relator a ser designado pelo Órgão Especial poderá anular essas medidas monocraticamente ou submeter ao plenário um eventual recurso da defesa de Flávio. Os advogados do senador também poderão optar por um recurso ao Superior Tribunal de Justiça.
Em maio de 2018, o STF (Supremo Tribunal Federal) entendeu que a prerrogativa de foro só se aplica aos crimes cometidos durante o mandato e em decorrência dele.
Por ser senador, Flávio Bolsonaro também não teria o direito, que é concedido a deputados estaduais, de ser julgado pelo Órgão Especial do TJ. Com base nesse entendimento, a tendência seria de o STF derrubar a medida.
No entanto, o TJ diz que a decisão de garantir foro especial a Flávio parte da premissa de que ele nunca deixou de ser parlamentar, ainda que em cargos distintos.
Ainda segundo a assessoria do tribunal, a decisão se estende a todos os investigados no processo da “rachadinha”, incluindo Fabrício Queiroz e sua mulher, Márcia Oliveira de Aguiar.
Flávio é investigado desde janeiro de 2018 sob a suspeita de recolher parte do salário de seus empregados na Assembleia Legislativa do Rio de 2007 a 2018 -prática chamada de “rachadinha”. Os crimes em apuração são peculato, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e organização criminosa.
Segundo o Ministério Público, 11 assessores vinculados a Flávio repassaram pelo menos R$ 2 milhões a Queiroz, sendo a maior parte por meio de depósitos em espécie.
A Promotoria acredita que o senador lavou o dinheiro da “rachadinha” por meio de transações de compra e venda de imóveis e da franquia da loja Kopenhagen da qual é sócio.
Em fevereiro, Flávio já havia sofrido uma derrota na 3ª Câmara Criminal. Na ocasião, os desembargadores mantiveram a decisão de Itabaiana que quebrou o sigilo bancário do filho do presidente.
Atendendo o pedido do senador que questionava a competência da 27ª Vara Criminal, a desembargadora Suimei Cavalieri havia chegado a interromper a investigação em março até que o caso fosse julgado pela Câmara. Ao final do mesmo mês, no entanto, a própria magistrada revogou sua decisão e permitiu a continuidade das apurações do Ministério Público.
A desembargadora reviu sua determinação após analisar a manifestação da Promotoria. Cavalieri avaliou que, como as sessões da Câmara estavam suspensas em função da pandemia do coronavírus, a interrupção poderia causar a prescrição do caso.
Em outro processo, o Ministério Público havia se posicionado favoravelmente à concessão de foro especial a Flávio. Em agosto, a procuradora Soraya Taveira Gaya, que atua na 3ª Câmara, afirmou que o senador teria cometido os supostos crimes “escudado pelo mandato que exercia à época”.
Ela também disse que, sendo ele o filho do presidente Jair Bolsonaro, havia grande “interesse da nação no desfecho da causa e em todos os movimentos contrários à boa gestão pública”.
Contudo, o Gaecc (Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção) do MP-RJ, responsável pela investigação, se manifestou contrário ao entendimento. Afirmou à Câmara que o foro especial se encerra com o fim do mandato, entendimento que para o grupo está consolidado há 20 anos.
A investigação contra Flávio já havia sido suspensa outras duas vezes, pelos ministros do STF Luiz Fux e Dias Toffoli.
Fux paralisou o procedimento em janeiro de 2019, durante o plantão do Judiciário, por também considerar a possibilidade de que Flávio contava com foro especial por ter sido eleito senador. O ministro Marco Aurélio Mello, relator natural do caso, arquivou a reclamação do filho do presidente e autorizou a investigação na primeira instância.
Toffoli, por sua vez, concedeu liminar para parar a apuração em julho de 2019 por considerar que o antigo Coaf havia repassado informações sobre movimentações suspeitas do senador com detalhamento excessivo. A tese foi derrubada no plenário do STF em novembro.
Uma das principais dores de cabeça do presidente Jair Bolsonaro desde a sua eleição, as suspeitas contra seu filho Flávio e seu amigo Fabrício Queiroz, ganharam um novo capítulo na semana passada.
Queiroz, que é policial militar aposentado e ex-assessor do atual senador, foi preso em um imóvel do advogado Frederick Wassef, responsável pelas defesas de Flávio e do presidente, em Atibaia (interior de São Paulo).
A suspeita do Ministério Público é de que ele operava o esquema de “rachadinha” no gabinete de Flávio. Ainda não houve denúncia, e a suspeita é de interferência de Queiroz nas investigações da Promotoria, por isso a prisão preventiva. A mulher dele, Márcia Aguiar, que foi assessora de Flávio na Assembleia, também teve a prisão decretada -ela não foi encontrada em seu endereço e é considerada foragida.
A apuração relacionada ao senador Flávio Bolsonaro começou após relatório do antigo Coaf, hoje ligado ao Banco Central, indicar movimentação financeira atípica de Fabrício Queiroz, seu ex-assessor e amigo do presidente Jair Bolsonaro.
Além do volume movimentado, de R$ 1,2 milhão em um ano, chamou a atenção a forma com que as operações se davam: depósitos e saques em dinheiro vivo em datas próximas do pagamento de servidores da Assembleia.
Queiroz afirmou que recebia parte dos valores dos salários dos colegas de gabinete. Ele diz que usava esse dinheiro para remunerar assessores informais de Flávio, sem conhecimento do então deputado estadual. A sua defesa, contudo, nunca apontou os beneficiários finais dos valores.
Jair Bolsonaro e Queiroz se conhecem desde 1984. Queiroz foi recruta do agora presidente na Brigada de Infantaria Paraquedista, do Exército. Depois, Bolsonaro seguiu a carreira política, e Queiroz entrou para a Polícia Militar do Rio de Janeiro, de onde já se aposentou.
Na época em que era deputado federal, Jair Bolsonaro se manifestou contra a existência de foro especial para políticos. Em um vídeo publicado em abril de 2017 no Twitter pelo deputado Eduardo Bolsonaro, ele aparece ao lado de Flávio protestando contra a medida.
“Eu não quero essa porcaria de foro privilegiado. Eu sou o único deputado federal prejudicado com esse foro privilegiado”, disse.
Na ocasião, Bolsonaro era réu no Supremo sob acusação de incitação ao estrupro contra a deputada Maria do Rosário (PT-RS), ex-ministra dos direitos humanos. Por esse motivo, ele afirma que poderia ser obrigado a renunciar ao mandato para disputar as eleições presidenciais de 2018. “Eu renunciando, o meu processo vai para a primeira instância. Aí, não dá tempo de eu ser condenado em primeira e segunda instâncias”.
Caso fosse condenado em segunda instância, Bolsonaro estaria impedido de disputar as eleições, com base na Lei da Ficha Limpa. As ações foram suspensas após ele tomar posse como presidente.
Política
Sexta-feira, 20 de setembro de 2024
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