ANA ESTELA DE SOUSA PINTO
BRUXELAS, BÉLGICA (FOLHAPRESS) – Um incêndio na estátua de Leopoldo 2º (rei que provocou a morte de 10 milhões de africanos no século 19) e saques de roupas, tênis e cosméticos transformaram em caso de polícia uma manifestação que, uma hora e meia antes, reunira pacificamente 10 mil pessoas contra o racismo neste domingo (7) em Bruxelas.
O quebra-quebra começou por volta das 18h. Numa das principais ruas comerciais do bairro de Ixelles, grupos usaram tabuletas de sinalização para arrebentar vitrines e sair correndo com as mercadorias deixando pelo caminho cabides e caixas vazias.
Abdel, 23, que ao lado de manequins destroçados guardava a porta de uma das lojas saqueadas, disse que os invasores eram “centenas de garotos e gurias”.
A polícia se concentrou na região com tropa de choque, cavalaria, helicóptero e até um carro blindado, mas, ao menos na região do metrô Porta de Namour, onde os saques ocorreram, a ação foi intimidatória.
Entre as 18h e as 20h, um cordão de policiais percorreu várias vezes a rua comercial da região; assim que se afastavam, garotos entravam nas lojas para pegar o que ainda não havia sido furtado.
Nos arredores da estação, pedras da calçada foram arrancadas e arremessadas nos policiais, que responderam com jatos d’água e bombas de efeito moral.
Aglomeração e conflitos maiores aconteceram em volta da estátua de Leopoldo 2º, ao lado do palácio real e também nas proximidades do bairro africano. Centenas de manifestantes cercaram o monumento e atearam fogo no pedestal. A polícia arremessou bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta.
Em resposta, garotos jogavam pedras e lajotas que retiravam de uma obra próxima.
Até as 21h, a Polícia de Bruxelas ainda não sabia informar se havia feridos nem quantas lojas haviam sido saqueadas ou quantas pessoas haviam sido detidas. Na região de comércio, os conflitos já haviam se encerrado e dois caminhões verdes da prefeitura limpavam os estragos deixados.
Mais cedo, os policiais haviam apenas observado a manifestação, a dezenas de metros das 10 mil pessoas reunidas em frente ao Palácio da Justiça.
O público, na imensa maioria jovens, brancos e negros em igual proporção, lotou a praça antes das 15h, horário marcado para o início da manifestação, e não teve pressa para sair às 16h45, quando o evento acabou.
Além de discursos e palavras de ordem nas duas línguas oficiais do país (francês e flamengo) e em inglês, palmas e punhos erguidos se repetiram várias vezes; por volta das 16h, todos se ajoelharam e fecharam os punhos contra o racismo.
Além do americano George Floyd, cuja morte por um policial branco nos EUA deflagrou a recente onda de protestos, foi lembrado o belga Adil, de 19 anos, que morreu em Bruxelas na primeira quinzena de abril.
De ascendência marroquina, ele bateu sua scooter num carro quando fugia de uma batida policial. Houve alguns protestos e distúrbios no bairro em que moravam, mas de pouco fôlego.
Adil, Floyd, o francês Adama Traoré (que motivou protestos recentes em Paris) e o brasileiro Amarildo (que desapareceu em 2013 após ser levado por policiais na favela da Rocinha, no Rio), foram lembrados em cartazes improvisados pelo público, mas a maioria tinha slogans gerais.
Manifestantes brancos empunhavam dizeres como “silêncio = omissão”, “não sou negro mas entendo sua dor” e “não são negros contra brancos, mas todos contra o racismo”.
Temendo o contágio por coronavírus, a primeira-ministra da Bélgica, Sophie Wilmès, havia pedido que os organizadores encontrassem alternativas à manifestação, mas o prefeito de Bruxelas, Philippe Clore, permitiu a reunião desde que fosse “estática” -não saísse em passeata pela cidade.
O distanciamento físico recomendado pelo governo era de 1,5 metro, mas na prática ele foi de 15 centímetros. A imensa maioria dos participantes, porém, usava máscaras: em 90 minutos, a Folha viu 18 pessoas sem elas.
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