MARINA DIAS
WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – Se existe um tema hoje capaz de unir republicanos e democratas nos EUA é a tomada de posição anti-China. Os dois lados da política americana convergiram em ataques ao regime de Xi Jinping numa escalada mais evidente durante a pandemia, levando a potência asiática ao centro do debate na disputa à Casa Branca.
O confronto pelo eixo diplomático entre EUA e China acelerou durante a crise, ganhou interesse de parte dos americanos e fez Donald Trump e Joe Biden agirem de forma mais assertiva nas últimas semanas. Os dois possíveis candidatos à Presidência neste ano lançaram mão de estratégias distintas para tentar convencer o eleitor sobre quem é o mais preparado para duelar com o regime chinês.
A votação marcada para novembro deve ser um referendo sobre o comportamento de Trump na condução da crise que já infectou mais de 1,2 milhão e matou pelo menos 75 mil pessoas no país.
Ao mesmo tempo, a China, origem do vírus, será tratada pelos políticos americanos como um dos principais agentes causadores da crise econômica e de saúde pública que assolou os EUA e o mundo.
A tática de Trump já é conhecida. Quando precisa desviar a atenção de possíveis erros ou de críticas a seu governo, o presidente ataca. Nesse caso, o inimigo externo ajuda a tentar unir seus apoiadores em torno de um discurso nacionalista e protecionista.
O republicano é questionado por ter inicialmente minimizado a crise e, agora, depois de um breve período na defesa das medidas de distanciamento social, apoiar a reabertura econômica antes de instituir um regime amplo de testagem, pré-requisito para uma retomada em de segurança.
Professor do departamento de ciência política da Universidade Columbia, Robert Shapiro afirma que o presidente vai atuar em duas frentes: culpando os chineses pelo vírus e tentando estabelecer uma relação de proximidade entre Pequim e Biden, que deve ser nomeado o candidato democrata no meio do ano.
“Trump está muito preocupado com a eleição, quer confundir os eleitores e, especialmente, manter sua base de apoio unida em torno dele. Vai culpar os chineses por terem segurado informação e gerado o vírus em laboratório e também quer culpar Biden por suas relações do passado com a China.”
Na semana passada, conforme as mortes aumentavam, assim como o número de pessoas que pedem acesso ao seguro-desemprego no país –já na ordem de 30 milhões–, Trump intensificou a retórica de que a China prefere Biden e que o regime de Xi tentou mascarar a escala do surto.
O presidente americano diz ainda que os chineses não compartilharam dados importantes e permitiram que a doença se espalhasse pelo mundo, além de reforçar a tese de que o coronavírus se originou num laboratório de pesquisa em Wuhan, cidade chinesa onde o vírus apareceu pela primeira vez.
A versão, porém, contradiz o julgamento da maioria dos especialistas de que o vírus não foi criado pelo homem nem modificado geneticamente.
“Minha opinião é que eles [chineses] cometeram um erro. Eles tentaram encobrir, tentaram apagar. É como um incêndio”, disse Trump no domingo (3), em entrevista à Fox News. “Sabe, é como tentar apagar um incêndio. Eles não conseguiram apagar o fogo.”
O presidente americano tem perdido popularidade conforme navega de forma titubeante diante da crise, e pesquisas recentes o mostram atrás de Biden em estados considerados chave para a eleição.
De acordo com integrantes da campanha democrata, o ex-vice-presidente vai explorar a falta de transparência chinesa –considerada pela oposição uma ideia mais palatável– e o discurso errático de Trump, que já elogiou a China diversas vezes.
Trump inicialmente celebrou a resposta de Xi Jinping à pandemia. No fim de janeiro, por exemplo, disse que a China estava “trabalhado muito duro para conter o coronavírus”, mas, depois, passou a se referir ao problema como “vírus chinês” e propagandear sua medida de suspender voos provenientes do país.
Essa e outras frases do presidente devem estampar os anúncios de Biden na TV, enquanto o democrata também tenta colar no adversário a imagem de um líder que fracassou em pressionar Pequim a prestar contas sobre a pandemia, o que resultou em mais mortes e desemprego.
A liderança de Trump também tem sido colocada em xeque pelo regime chinês, que age com uma diplomacia cada vez mais assertiva para tentar ocupar o lugar dos EUA como provedor global, justamente no momento em que o americano retira seu país desse posto. Especialistas afirmam que ainda há muita desconfiança em torno da China e que o país viu prejudicada sua tentativa de fazer diplomacia durante a crise ao prover equipamentos médicos defeituosos.
“A desconfiança em torno da China pode atrasar esse processo”, explica o professor de Columbia. “Os EUA têm a oportunidade de segurar a posição de líder global. Mas só pode liderar quem tem liderança, e o atual presidente não parece querer isso.”
Entre políticos e especialistas, é consenso que parte importante da população dos EUA se move pelo debate em torno da China, ainda mais se embalado como pano de fundo de uma pandemia sem precedentes, que levou o país a uma situação econômica e de saúde bastante dramática.
Temas de política externa figuram historicamente entre os principais assuntos das campanhas presidenciais americanas. Desde do 11 de Setembro de 2011, Afeganistão e Iraque eram o foco do debate, mas analistas dizem que o povo se cansou da guerra.
A pandemia contribuiu então para que a China fincasse os dois pés na arena eleitoral dos EUA, carregando a pergunta sobre quem vai ser o melhor líder para contê-la.
Internacional
Segunda-feira, 6 de maio de 2024
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