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Sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Fruto da mudança climática, espumante inglês quer rivalizar com champanhes

Tida por anos como uma terra fria demais para a produção de vinhos, a Inglaterra atualmente tem vinhedos espalhados pelo seu território e vem sendo reconhecida como um dos melhores terroirs da Europa para espumantes, chegando a rivalizar com Champanhe, na França. Como, então, não vemos espumantes ingleses por todos os lados?
Por ter um custo de produção alto, o vinho da Inglaterra não é barato. Com isso, o país tem dificuldade em exportar -só 8% da produção total. Ainda assim, já é possível encontrar alguns rótulos ingleses no Brasil.
Esses vinhos representam uma revolução no mapa vinícola da Europa. A conquista de novos territórios está ligada às mudanças climáticas. A região agora não é mais tão fria, mas também não é tão quente. Daí a vocação para produzir espumantes, que precisam de uvas menos maduras.
“A Inglaterra hoje tem um clima parecido com o de Champanhe nos anos 1950”, diz o engenheiro agrônomo brasileiro Heber Rodrigues, diretor de pesquisa da The English Vine, o maior ecommerce de vinhos locais.
Desde o fim de 2023, a importadora Zahil traz sete rótulos de cinco vinícolas. Entre os vinhos tranquilos, o mais comum ainda é o da bacchus, variedade alemã que rende brancos. Um deles é o Redbrook Bacchus (R$465).
Os outros seis são espumantes; quatro são da Gusbourne, vinícola da loja do Palácio de Buckingham. São eles o Brut Reserve (R$ 882), o Gusbourne Blanc de Blancs (R$ 882) e o Gusbourne Rosé (R$ 882). A importadora trouxe também o Great Windsor Rosé, espumante de R$ 2.152 produzido pela Laithwaites Wines a partir de vinhedos plantados no entorno do Castelo de Windsor da família real. São só três hectares e a produção é limitada.
Antes da Zahil, o grupo catarinense de supermercados Angeloni trouxe os primeiros espumantes ingleses para o Brasil em meados de 2023, também da Gusbourne. O Gusbourne Exclusive Brut, um corte com as três uvas de Champanhe, pinot noir, chardonnay e pinot meunier, sai por R$ 458,81 no Divvino, o ecommerce e clube de vinhos do grupo Angeloni. Já o cuvèe Gusbourne Royal Collection Coranation, edição feita para a coroação do rei Charles, sai por R$ 741,06 no Divvino.
As mais importantes regiões vitivinícolas da Inglaterra estão no sul. São elas Sussex, Kent e Surrey. Todas numa latitude um pouco superior à de Champanhe. Por ali, é comum solos calcários como aqueles que trazem tanta mineralidade para os champanhes. Na última década em várias competições às cegas, espumantes ingleses bateram em champanhes.
Há muita história por trás dessas vitórias. Na verdade, a Inglaterra produz algum vinho desde a época das invasões romanas. Com o chamado Período Quente Medieval, entre o fim do primeiro milênio e o século 13, quando as temperaturas na Terra foram mais elevadas, os vinhedos floresceram na Inglaterra.
Em 1086, um censo das propriedades rurais do país ordenado por Guilherme 1º apontou que havia 45 vinhedos na Inglaterra (em 2023, eram 1.030). Depois voltou a esfriar e a atividade não prosperou. Isso não quer dizer que os ingleses deixaram de beber vinho. Pelo contrário, eles consumiam cada vez mais e se tornaram grandes importadores -o que são até hoje.
Só em 1952, no entanto, surgiu a primeira vinícola comercial, a Hambledon Vineyard, nas colinas de calcário de South Downs, em Hampshire. De início, com o clima frio, as primeiras variedades de uvas que se adaptaram eram de origem alemã.
“No fim dos anos 1980, começou uma revolução”, conta Julia Tristam Eve, que trabalhou no marketing dos vinhos ingleses por 30 anos, primeiro na English Wine Producers e, depois, na Wines of Great Britain -o País de Gales também tem vinícolas.
“Em 1988, um casal de americanos montou a Nyetimber, plantou chardonnay e pinot noir e começou a produzir espumantes no estilo de Champanhe”, diz.
Logo outras vinícolas seguiram seu exemplo. E os espumantes foram crescendo de qualidade. Isso despertou o interesse de maisons de Champanhe. Em 2015, o famoso produtor do champanhe que leva seu sobrenome, Pierre Emmanuel Taittinger, e o master of wine inglês Patrick MacGrath compraram terras em Chilham, Kent, e estabeleceram o Domaine Evremond, que em 2020 lançou seu primeiro cuvée. Quase ao mesmo tempo, a Louis Pommery investiu em vinhedos em Alresford, Essex.
A Inglaterra começou a chamar a atenção do mundo. Em janeiro de 2022, mais ou menos na mesma época em que Sussex se transformou numa denominação de origem, a Henkel-Freixenet, maior produtora de espumantes do mundo, comprou a The Bolney Estate, em Haywards Heath, em West Sussex.
A vinícola boutique produz bons espumantes, mas seus tranquilos (vinhos sem borbulhas) também têm qualidade. O pinot noir, por exemplo, lembra muito os da Alemanha. “Estamos vendo vinhos tranquilos cada vez mais interessantes”, diz Julia.
As regiões produtoras de uvas são próximas a Londres. Com isso, a Inglaterra viu surgir uma série de vinícolas urbanas. A primeira delas foi a London Cru, que existia antes mesmo desse movimento. Fundada em 1972 pelo comerciante de vinhos Cliff Roberson, a London Cru foi uma marca que, por alguns anos, engarrafava vinhos a granel da Europa continental para vender para supermercados ingleses.
Hoje, no entanto, produz vinhos e espumantes que estão sendo servidos nos restaurantes estrelados de Londres. Recentemente, eles compraram também um vinhedo.
Outra bastante interessante é a Black Book Winery, do enólogo americano Sergio Verrillo. Verillo trabalha com uvas de vinhedos ao redor de Londres. Algumas delas não tão comuns como a pinot meunier, que em Champagne é usada em blends e, em Londres, aparece também na forma de vinho varietal, aqueles feitos de uma uva única.

Fonte: FolhaPress