
Um dia após obter a licença para perfurar o poço FZA-M-59 na bacia marítima da Foz do Amazonas, a Petrobras pediu autorização para abrir mais três usando o mesmo processo. Em documento encaminhado ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a petroleira pede um ajuste na permissão dada pelo órgão no último dia 20 para contemplar a liberação de outros três poços nas proximidades.
O documento ao qual a DW teve acesso afirma que “os três poços contingentes estavam previstos desde o início do processo de licenciamento ambiental” e que a Petrobras compreendeu que eles foram mantidos.
Em sua argumentação, a estatal faz uma “proposta de redação” em pontos específicos do texto da autorização emitida pelo Ibama. A versão sugerida é: “Esta Licença de Operação autoriza a perfuração de um poço (Morpho) nas coordenadas 5° 17′ 10,365″ N e 50° 6′ 15,018″ W e de três poços contingentes”, chamados de Manga, Maracujá e Marolo, a uma média de 178 quilômetros da costa.
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Fontes internas do Ibama ouvidas pela DW sob condição de anonimato alegam que o processo conduzido e autorizado considerou apenas os impactos do FZA-M-59. Ou seja, as três novas perfurações solicitadas não passaram pelo mesmo crivo técnico.
Questionado, o órgão e a Petrobras não responderam até a publicação desta reportagem.
Ação na Justiça
Após a autorização recebida pela Petrobras para perfurar o poço 59, organizações da sociedade civil tentam frear a licença. Nesta quinta-feira (23/10), uma ação foi protocolada na Justiça Federal do Pará contra a empresa, o Ibama e a União.
Segundo o processo, o licenciamento teria atropelado as populações indígenas e tradicionais. Terras Indígenas (TIs), quilombos, colônias de pescadores e unidades de conservação estão na zona de influência do empreendimento e essas comunidades não foram ouvidas.
Outra fragilidade estaria na modelagem que prevê impactos ambientais em caso de vazamento. Os dados usados pela petroleira para fazer este cálculo são de 2013 e estariam desatualizados, já que há informações de 2024 disponíveis. O modelo usado teria falhas que comprometem a segurança da atividade, segundo Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima (OC).
“Na própria licença, o Ibama requer uma nova modelagem para daqui a um ano. Se precisa de modelagem atualizada, por que emitiram a licença?”, questiona Araújo.
Do ponto de vista de política pública, a decisão de autorizar a Petrobras a seguir adiante com a prospecção na costa amazônica é ruim porque sinaliza que o Brasil vai liberar esta nova frente de expansão, alega Araújo.
“É um equívoco técnico. Estamos numa emergência climática, não está na hora de intensificar a produção de petróleo em nenhum lugar do mundo”, diz a porta-voz do OC, lembrando que as emissões da queima do combustível fóssil são as maiores responsáveis pelas mudanças climáticas em curso.
Em junho último, a Petrobras arrematou 10 dos 19 blocos oferecidos no leilão para exploração de petróleo na bacia da Foz do Amazonas pela Agência Nacional de Petróleo (ANP). Outras petroleiras, como ExxonMobil, Chevron e CNPC, também fizeram negócio.
Cerca de vinte horas após conseguir a autorização, a Petrobras comunicou às autoridades que estaria pronta no local para começar a perfuração no bloco 59. Acionada pela Justiça após o processo movido pelas ONGs, a Advocacia Geral da União (AGU) pediu um prazo mínimo de dez dias para que a União se manifeste antes de uma decisão liminar.
Quando a Justiça freou o petróleo
Em Santa Catarina, uma decisão recente do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF4) suspendeu a licença de exploração de dois blocos de petróleo oferecidos num leilão da ANP no fim de 2023 na Bacia do Paraná. A região, no oeste de Santa Catarina, está numa zona de conflito por coincidir com a área de usufruto da Terra Indigena Rio dos Pardos, e o processo de licenciamento não ouviu a população afetada.
“A oferta permanente de concessão de blocos exploratórios de petróleo e gás deve ser precedida de consulta às comunidades tradicionais, que tem como finalidade assegurar a participação plena e efetiva destes grupos minoritários na tomada de decisões que possam afetar sua cultura e seu modo de viver”, diz um trecho da decisão judicial, assinada pelo desembargador federal Rogerio Favreto.
A consulta e o consentimento prévio, livre e informado de comunidades tradicionais afetadas por empreendimentos é obrigatória segundo a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil em 2002.
“É um precedente bem forte que pode influenciar o processo atual sobre a Foz do Amazonas. No caso da Bacia do Paraná, houve um recurso da ANP, mas eles perderam”, comenta Nicole Oliveira, diretora-executiva do Instituto Internacional Arayara e bacharel em Direito.
Segundo Oliveira, a empresa que adquiriu os blocos não sabia que eles estavam próximos à TI e, quando foi acionada na Justiça, disse ser favorável ao cancelamento do contrato.
O Instituto Arayara é uma das organizações que processam governo e Petrobras no caso da Foz do Amazonas. Também assinam a ação a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), Comissão Nacional para o Fortalecimento das Reservas Extrativistas e dos Povos Extrativistas Costeiros e Marinhos (Confrem), Greenpeace Brasil, Observatório do Clima e WWF-Brasil.
Meio ambiente nos tribunais
Alguns casos recentes mostram que a proteção do meio ambiente tem motivado cada vez mais ações judiciais. Em junho de 2024, uma decisão liminar suspendeu a licença prévia para a reconstrução e asfaltamento do trecho do meio da BR-319, que liga Manaus a Porto Velho. O processo, movido pelo Observatório do Clima, alerta que a pavimentação da estrada causaria a explosão do desmatamento no estado do Amazonas, que é ainda bem preservado. A licença havia sido concedida no governo Bolsonaro, mas Lula tem dito que a obra seria viável.
Em 2014, o mesmo TRF4 suspendeu a licença de instalação da usina hidrelétrica Baixo Iguaçu, no Paraná. A autorização havia sido dada pela secretaria estadual. Um dos argumentos para o cancelamento da obra foi a proximidade com a zona de amortecimento do Parque Nacional do Iguaçu, uma unidade de conservação federal.
Fonte: Deutsche Welle
