
Em “Dracula”, o mais surpreendente é que alguém tenha encontrado ideias medianamente originais para falar do velho personagem. O célebre morto-vivo já frequentou os cinemas com outro nome, Nosferatu, virou ícone sexual na versão com Bela Lugosi, em 1931, e passou por sequências, sequelas, distorções e tudo mais antes de chegar a uma terceira vida, na Inglaterra, nas mãos de Terence Fisher. Ainda nos anos 1960, virou ainda comédia nas mãos de Roman Polanski
Ressurgiu no cinema americano nos anos 1970, pelas mãos de Paul Morrissey, com produção de Andy Warhol, e outra vez com tom cômico. Ele se tornava um vampiro em busca do sangue de virgens para sobreviver, mas não encontrava nenhuma por onde andava. Chegou até a Francis Ford Coppola, no “Drácula de Bram Stoker”. Depois veio o etc.
O romeno Radu Jude é quem se dispôs a enfrentar a tarefa em 2025. E ninguém dirá que está mal posicionado para ela, já que é um compatriota do infame conde da Transilvânia. Jude nasceu em 1977 e conheceu, na infância, o governo de Nicolae Ceausescu. Como Drácula, ele também buscava a imortalidade. Esse fim de feira comunista na Europa Oriental e o que se seguiu na Romênia legaram ao cineasta um estilo irônico e o dom da observação distanciada.
É daí que vem o pobre ator que representa o velho conde para uma plateia de turistas participativos, que, em certo ponto, deve perseguir o pobre ator e sua companheira pelas ruas de uma cidade da Transilvânia.
Jude não fica por aí. Introduz um cineasta que conversa com a plateia sobre as variáveis do mito, os problemas de retratá-lo, o uso de inteligência artificial para compor novas ideias, etc. É o que transfere o filme para a esfera da, digamos assim, metalinguagem. Sem sair, no entanto, do registro cômico, pois estamos diante de uma espécie de chanchada sobre a mitologia.
Jude introduz, entre outras, a figura de Vlad 3ª, o empalador, célebre soberano do século 15, famoso pela crueldade, que seria o modelo a partir do qual surgiu o mito do Drácula.
Não faltam ideias para Jude. Elas vão desde seu Drácula circense, que enfrenta problemas trabalhistas junto da companheira de cena, às atrocidades cometidas por Vlad com os seus dentes afiados. Jude não perde ocasião de, a partir do sadismo de Vlad em castigar seus inimigos com o empalamento, inserir piadas de gosto um tanto duvidoso e humor ainda mais discutível.
Com isso, após um início promissor -a abertura, que tira sarro de imagens geradas por IA ao utilizá-las, é muito boa-, o filme tende a perder força, sobretudo porque se estende muito além das ideias propostas por Jude, que no geral são bem originais.
O humor, quando existe, acompanha o que já se conhece de Jude: o tipo de ironia fina, atingindo os usos e costumes romenos, sua posição periférica na hoje já não tão rica União Europeia, o passado recente da árdua (e até onde se sabe terrível) ditadura Ceausescu e o presente de uma democracia aparentemente bastante conflitiva.
A tradição de violência e tirania que vem de Vlad Dracul, passa por Vlad 3º e chega ao comunismo de Ceausescu, desemboca numa democracia que parece herdar os hábitos culturais do passado.
O modo de ver as coisas de Jude não só é compreensível como interessante. A intervenção do autor-narrador ajuda a desenrolar essa história complexa. No caso deste filme, no entanto, o interesse murcha na medida em que as ideias são reiteradas a ponto de, perto de completar as quase três horas de exibição do filme, causarem alguma irritação. Mas há ideias ali, e não é sempre que isso acontece.
DRACULA
Avaliação Bom
Quando 24/10, às 20h30, no Espaço Petrobras de Cinema; 25/10, às 14h, na Cinemateca Brasileira, 28/10, às 15h30, no Espaço Petrobras de Cinema
Classificação Não informada
Elenco Adonis Tanța, Gabriel Spahiu e Oana Maria Zaharia
Produção Romênia, 2025
Direção Radu Jude
Fonte: FolhaPress
